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sábado, 22 de dezembro de 2018

segunda-feira, 3 de março de 2014

A Criação do Universo

A criação do Universo Capitulo I Antes que existisse uma estrela a brilhar, antes que houvesse anjos a cantar, já havia um céu, o lar do Eterno, o único Deus. Perfeito em sabedoria, amor e glória, viveu o Eterno uma eternidade, antes de concretizar o Seu lindo sonho, na criação do Universo. Os incontáveis seres que compõem a criação foram, todos, idealizados com muito carinho. Desde o íntimo átomo às gigantescas galáxias, tudo mereceu Sua suprema atenção. Amante da música, Deus idealizou o Universo como uma grande orquestra que, sob Sua regência, deveria vibrar acordes harmoniosos de justiça e paz. Para cada criatura Ele compôs uma canção de amor. O Eterno estava muito feliz, pois os Seus sonhos estavam para se realizar. Movendo-Se com majestade, iniciou Sua obra de criação. Suas mãos moldaram primeiramente um mundo de luz, e sobre ele uma montanha fulgurante sobre a qual estaria para sempre firmado o trono do Universo. Ao monte sagrado Deus denominou: Sião. Da base do trono, o Eterno fez jorrar um rio cristalino, para representar a vida que d’Ele fluiria para todas as criaturas. Como sala do trono, criou um lindo paraíso que se estendia por centenas de quilômetros ao redor do monte Sião. Ao paraíso denominou: Éden. Ao sul do paraíso, em ambas as margens do rio da vida, foram edificadas numerosas mansões adornadas de pedras preciosas, que se destinavam aos anjos, os ministros do reino da luz. Circundando o Éden e as mansões angelicais, construiu Deus uma muralha de jaspe luzente, ao longo da qual podiam ser vistos grandes portais de pérolas. Com alegria, o Eterno contemplou a Capital sonhada. A cidade em seu esplendor era como uma noiva adornada, pronta para receber seu esposo. Carinhosamente, o grande Arquiteto a denominou: Jerusalém, a Cidade da Paz. Deus estava para trazer à existência a primeira criatura racional. Seria um anjo glorioso, de todos o mais honrado. Adornado pelo brilho das pedras preciosas, esse anjo viveria sobre o monte Sião, como representante do Rei dos reis diante do Universo. Com muito amor, o Criador passou a modelar o primogênito dos anjos. Toda sabedoria aplicou ao formá-lo, fazendo-o perfeito. Com ternura concedeu-lhe a vida; o formoso anjo, como que despertando de um profundo sono, abriu os olhos e contemplou a face de seu Autor. Com alegria, o Eterno mostrou-lhe as belezas do paraíso, falando-lhe de Seus planos, que começavam a se concretizar. Ao ser conduzido ao lugar de sua morada, junto ao trono, o príncipe dos anjos ficou agradecido e, com voz melodiosa, entoou seu primeiro cântico de louvor. Das alturas de Sião, descortinava-se, aos olhos do formoso anjo, Jerusalém em sua vastidão e esplendor. O rio da vida, ao deslizar sereno em meio à Cidade, assemelhava-se a uma larga avenida, espelhando as belezas do jardim do Éden e das mansões angelicais. Envolvendo o primogênito dos anjos com Seu manto de luz, o Eterno passou a falar-lhe dos princípios que haveriam de reger o reino universal. Leis físicas e morais deveriam ser respeitadas em toda a extensão do governo divino. As leis morais resumiam-se em dois princípios básicos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo corno a Si mesmo. Cada criatura racional deveria ser um canal por meio do qual o Eterno pudesse jorrar aos outros vida e luz. Dessa forma, o Universo cresceria em harmonia, felicidade e paz. No reino de Deus, as leis não seriam impostas com tirania; Os súditos seriam livres. A obediência deveria surgir espontânea, num gesto de reconhecimento e gratidão. Nesse reino de liberdade, a desobediência também seria possível. O resultado de tal comportamento seria o esvaziamento das forcas vitais. Depois de revelar ao formoso anjo as leis de Seu governo, o Eterno confiou-lhe uma missão de grande responsabilidade: seria o protetor daquelas leis, devendo honra-las e revela-las ao Universo prestes a ser criado. Com o coração transbordante de amor a Deus e aos semelhantes, caber-lhe-ia ser um modelo de perfeição: seria Lúcifer, o portador da luz. O príncipe dos anjos; agradecido por tudo, prostrou-se ante o amoroso Rei, prometendo-Lhe eterna fidelidade. O Eterno continuou Sua obra de criação, trazendo à existência inumeráveis hostes de anjos, os ministros do reino da luz. A Cidade Santa ficou povoada por essas criaturas radiantes que, felizes e gratas, uniam as vozes em belíssimos cânticos de louvor ao Criador. Deus traria agora à existência o Universo que, repleto de vida, giraria em torno de Seu trono firmado em Sião. Acompanhado por Seus ministros, partiu para a grandiosa realização. Depois de contemplar o vazio imenso, o Eterno ergueu as poderosas mãos, ordenando a materialização das multiformes maravilhas que haveriam de compor o Cosmo. Sua ordem, qual trovão, ecoou por todas as partes, fazendo surgir, como que por encanto, galáxias sem conta, repletas de mundos e sóis - paraísos de vida e alegria - tudo girando harmoniosamente em torno do monte Sião. Ao presenciarem tão grande feito do supremo Rei, as hostes angelicais prostraram-se, fazendo ecoar pelo espaço iluminado um cântico de triunfo, em saudação à vida. Todo o Universo uniu-se nesse cântico de gratidão, em promessa de eterna fidelidade ao Criador. Guiados pelo Eterno, os anjos passaram a conhecer as riquezas do Universo. Nessa excursão sideral, ficaram admirados ante a vastidão do reino da luz. Por todas as partes encontravam mundos habitados por criaturas felizes que os recebiam em festa. Os anjos saudavam-nos com cânticos que falavam das boas novas daquele reino de paz. Tão preciosa como a vida, a liberdade de escolha, através da qual as criaturas poderiam demonstrar seu amor ao Criador, exigia um teste de fidelidade. Com o propósito de revelá-lo, o Eterno conduziu as hostes por entre o espaço iluminado, até se aproximarem de um abismo de trevas que contrastava com o imenso brilho das galáxias. Ao longe, esse abismo revelara-se insignificante aos olhos dos anjos, como um pontinho sem luz; mas à medida de sua aproximação, mostrou-se em sua enormidade. O Criador, que a cada passo revelava aos anjos os mistérios de Seu reino, ficou ali silencioso, como que guardando para Si um segredo. As trevas daquele abismo consistiam no teste da fidelidade. Voltando-Se para as hostes, o Eterno solenemente afirmou: “Todos os tesouros da luz estarão abertos ao vosso conhecimento, menos os segredos ocultos pelas trevas. Sois livres para me servirem ou não. Amando a luz estareis ligados à Fonte da Vida”. Com estas palavras, fez Deus separação entre a luz e as trevas, o bem e o mal. O Universo era livre para escolher seu destino. Capitulo II O tão acalentado sonho do Criador se concretizara. Agora, como Pai carinhoso, conduzia as criaturas através de uma eternidade de harmonia e paz. Em virtude do cumprimento das leis divinas, o Universo expandia-se em felicidade e glória. Havia um forte elo de amor, que a todos unia fortemente. Os seres racionais, dotados da capacidade de um desenvolvimento infinito, encontravam indizível prazer em aprender os inesgotáveis tesouros da Sabedoria divina, transmitindo-os aos semelhantes. Eram como canais por meio dos quais a Fonte da Eterna Vida nutria a todos de amor e luz. Em Jerusalém, os ministros do reino reuniam-se ante o soberano Rei, sempre prontos a cumprir os Seus propósitos. Era através de Lúcifer que o Eterno tornava manifesto os Seus desígnios. Depois de receber uma nova revelação, ele prontamente a transmitia às hostes angelicais. Estas, por sua vez, a compartilhavam com a criação. Em célere voo os anjos rumavam para os planetas capitais, onde, em grandes assembleias, reuniam-se os representantes dos demais mundos. Em muitas dessas assembleias, Lúcifer fazia-se presente, enchendo os participantes de alegria e admiração. Perfeito em todas as virtudes, ele os cativava com sua simpatia. Nenhum outro anjo conseguia revelar como ele os mistérios do amor do Eterno. O Universo, alimentando-se da Fonte da Vida, expandia-se numa eternidade de perfeita paz. A obediência às leis divinas era o fundamento de todo progresso e felicidade. Ainda que conscientes do livre-arbítrio, jamais subira ao coração de qualquer criatura o desejo de se afastar do Criador. Assim foi por muito tempo, até que tal problema irrompeu na vida daquele que era o mais íntimo do Eterno. Lúcifer, que dedicara sua vida ao conhecimento dos mistérios da luz, sentiu-se aos poucos atraído pelas trevas. O Rei do Universo, aos olhos de quem nada pode ser encoberto, acompanhou com tristeza os seus passos no caminho descendente que leva à morte. A princípio, uma pequena curiosidade levou Lúcifer a se aproximar daquele abismo profundo. Contemplando-o, ele começou a indagar o porquê de não poder compreender o seu enigma. Retornando a seu lugar de honra, junto ao trono, prostrou-se ante o divino Rei, suplicando-Lhe: - Pai, dá-me a conhecer os segredos das trevas, assim como me revelas a luz. Ante o pedido do formoso anjo, o Eterno, com voz expressiva de tristeza, disse-lhe: - Meu filho, você foi criado para a luz, que é vida. Convencendo-se de que o Criador não lhe revelaria os tesouros das trevas, Lúcifer decidiu compreender por si mesmo o enigma. Julgava-se capacitado para tanto. Com esta triste decisão, o príncipe dos anjos permitiu que surgisse em seu coração uma mancha de pecado que poderia trazer uma catástrofe para o Universo. Só Deus sabia o que se passava no coração de Lúcifer. O anjo, que fora criado para ser o portador da luz, estava divorciando-se em pensamentos do bondoso Criador que, num esforço de impedir o desastre, rogava-lhe permanecer a Seu lado. Uma tremenda luta passou a travar-se em seu íntimo. O desejo de conhecer o sentido das trevas era imenso, contudo, os rogos daquele amoroso Pai, a quem não queria também perder, o torturavam. Vendo o sofrimento que sua atitude causava ao Criador, às vezes demonstrava arrependimento, mas voltava a cair. Antes de criar o Universo, Deus já previra a possibilidade de uma rebelião. O risco de conceder liberdade às criaturas era imenso, mas, sem este dom, a vida não teria sentido. O Eterno não queria reinar sobre robôs, programados para fazerem somente a Sua vontade. Ele queria que a obediência fosse fruto de reconhecimento e amor, por isso decidiu correr o grande risco. Ainda que prosseguisse na busca do sentido das trevas, Lúcifer não pretendia abandonar a luz. Esforçava-se para chegar a uma combinação entre essas partes que, no reino do Eterno, coexistiam separadas. Finalmente, com um sentimento de exaltação, concebeu uma teoria enganosa, que pretendia apresentar ao Universo como um novo sistema de governo, superior ao governar do Eterno. Denominou sua teoria de “a ciência do bem e do mal”. Estruturada na lógica, a ciência do bem e do mal revelou-se atraente aos olhos de Lúcifer, parecendo descerrar um sentido de vida superior àquele oferecido pelo Criador, cujo reino possibilitava unicamente o conhecimento experimental do bem. No novo sistema, haveria equilíbrio entre o bem e o mal, entre o amor e o egoísmo, entre a luz e as trevas. Ao longo do tempo em que amadurecera em sua mente a ciência do bem e do mal, Lúcifer soube guardar segredo diante do Universo. Continuava em seu posto de honra, cumprindo a função de Portador da Luz. Contudo, por mais que procurasse fingir, seu semblante já não revelava alegria em servir ao Eterno. O divino Rei, que sofria em silêncio, procurava, por meio de Suas revelações de amor, preparar as criaturas racionais para a grande prova que se aproximava. Sabia que muitos dariam ouvido à tentação, voltando-Lhe as costas. A noite da provação faria sobressair, contudo, os verdadeiros fiéis - aqueles que serviam ao Criador não por interesse, mas por amor. Ao ver que a hora da prova chegara, e que Lúcifer estava pronto para traí-Lo diante do Universo, o Eterno, que jamais cessara de revelar os tesouros de Sua sabedoria, tornou-se silencioso e contemplativo. O silêncio fez reviver no coração das hostes a lembrança daquela primeira excursão sideral, quando, depois de lhes mostrar as riquezas do reino da luz, Deus tornou-se silencioso ante aquele abismo. Lembra-se de Suas palavras: “Todos os tesouros da luz estarão abertos ao vosso conhecimento, menos os segredos ocultos pelas trevas. Sois livres para me servirem ou não. Amando a luz estareis ligados à Fonte da Vida”. Lúcifer, que passara a cobiçar o trono de Deus, indagou-Lhe o motivo de Seu silêncio. O Criador, contemplando-o com infinita tristeza, disse-lhe: “É chegada a hora das trevas. Você é livre para realizar seus propósitos”. Vendo que o momento propício para a propagação de sua teoria havia chegado, Lúcifer convocou os anjos para uma reunião especial. As hostes, desejosas de conhecer o significado do silêncio do Pai, tomaram seus lugares junto ao magnífico anjo, que sempre lhes revelara os tesouros do reino da luz. Lúcifer começou seu discurso exaltando, como de costume, o governo do Eterno. Num amplo retrospecto, lembrou-lhes as grandiosas revelações que os enriquecera em toda aquela eternidade. O silêncio divino apresentou-o como sendo a indicação de que o Universo alcançara a plenitude do conhecimento oriundo da luz. Silenciando, o Eterno abria-lhes caminho para o entendimento de mistérios ainda não sondados, mantidos até então além dos limites de Seu governo. Surpresas, as hostes tomaram conhecimento da experiência de Lúcifer sobre as trevas. Com eloquência ele falou-lhes da ciência do bem e do mal, indicando-a como o caminho das maiores realizações. O efeito de suas palavras logo se fez sentir em todo o Universo. A questão era decisiva e explosiva, gerando pela primeira vez discórdia. Os seres racionais, em sua prova, tinham de optar por permanecer somente com o conhecimento da luz, o qual Lúcifer afirmava haver chegado ao seu limite, ou se aventurar no conhecimento da ciência do bem e do mal. No começo, os anjos debateram-se diante da questão, sendo logo depois todo o Universo posto à prova. Dir-se-ia que a ciência do bem e do mal haveria de arrebanhar a maior parte das criaturas, mas, aos poucos, muitos que a princípio se empolgaram com a teoria, despertaram para a ilusão da mesma, reafirmando sua fidelidade ao reino da luz. Ao fim desse conflito, que se arrastou por longo tempo, revelou-se um terço das estrelas do céu ao lado de Lúcifer, e as restantes, ainda que abaladas pela prova ao lado do Eterno. A ciência do bem e do mal fora apregoada por Lúcifer como um novo sistema de governo. Mas como exercê-lo, se o Eterno continuava reinando em Sião? Precisavam encontrar um meio de afastá-Lo dali. O conselho, formado pelos anjos rebeldes, passou a tratar disso. Decidiram, finalmente, solicitar-Lhe o trono por um tempo determinado, no qual poderiam demonstrar a excelência do novo sistema de governo. Caso fosse aprovado pelo Universo, o novo sistema se estabeleceria para sempre; caso contrário, o domínio retornaria ao Criador. Foi assim que Lúcifer, acompanhado por suas hostes, aproximou-se arrogante d’Aquele Pai sofredor, fazendo-Lhe tal pedido. O Eterno não era ambicioso, apenas queria bem às Suas criaturas. Se a ciência do bem e do mal consistisse realmente num bem maior, não Se oporia à sua implantação, cedendo o trono a seus defensores. Mas Ele sabia que aquele caminho conduziria à infelicidade e à morte. Movido por Seu amor protetor, o Criador desatendeu o pedido das hostes rebeldes, que se afastaram enfurecidas. Ao lhe ser negado o trono, Lúcifer e suas hostes passaram a acusar o divino Rei, proclamando ser o seu governo de tirania. Afirmavam ser sua permanência no trono a mais patente demonstração de Sua arbitrariedade. Não lhes concedera liberdade de escolha? Por que neutralizá-la agora, impedindo-os de pôr em prática um sistema de governo superior? As acusações das hostes rebeldes repercutiram por todo o Universo, fazendo parecer que o governo do Eterno era injusto. Isto trouxe profunda angústia àqueles que permaneciam fiéis ao reino da luz. Não sabendo como refutar tais acusações, essas criaturas, emudecidas pela dor moral, ansiavam pelo momento em que novas revelações procedentes do Criador pudessem aclarar-lhes os mistérios desse grande conflito. As acusações e blasfêmias das hostes rebeldes alcançavam o ponto culminante quando o Eterno, num gesto surpreendente, ergueu-se de Seu trono, como que pronto a deixá-lo. Os infiéis, na expectativa de uma conquista, aquietaram-se, enquanto um sentimento de temor penetrava no coração dos súditos da luz. Entregaria Ele o domínio de toda a criação, para livrar-Se das vis acusações? De acordo com a lógica a partir da qual Lúcifer fundamentava seus ensinamentos, não restava outra alternativa ao Criador. Nesta tremenda expectativa, o Universo acompanhava os passos de Deus. Num gesto de humildade, o Criador despojou-Se de Sua coroa e de Seu manto real, depondo-os sobre o alvo trono. Em Seu semblante não havia expressão de ressentimento ou ira, mas de infinito amor e tristeza. Com solenidade, o Eterno proclamou que o momento decisivo chegara, quando cada criatura deveria selar sua decisão ao lado da luz ou das trevas. Numa ampla revelação, alertou para as consequências de um rompimento com a Fonte da Vida. Com olhar de ternura o Criador contemplou seus filhos. Era um olhar de humildade, que cheio de amor, suplicava para que permanecessem ao Seu lado. Incontáveis criaturas, emocionadas, corresponderam ao Seu olhar de bondade, enquanto uma multidão se manteve cabisbaixa. Lúcifer e seus seguidores estavam conscientes da seriedade daquele momento. Ainda era possível voltar atrás em seus planos, entregando-se arrependidos ao divino Paique sempre os amara. Enquanto cabisbaixos consideravam sobre a decisão final, Lúcifer e seus adeptos ouviam o cântico daqueles que, em reconhecimento e gratidão, colocavam-se ao lado do Eterno. A última luta travava-se no coração dos infiéis que, estremecidos, chegaram a pensar em recuar. Finalmente, a lembrança do recente gesto divino, despojando-Se da coroa, deu-lhes a certeza de que o governo lhes seria entregue. Vendo que o Trono permanecia vazio, Lúcifer e suas hostes, dominados pela cobiça, romperam definitivamente com o Criador ao ver um terço dos súditos transpor as divisas da eterna separação, Deus deixou extravasar a dor angustiante que por tanto tempo martirizava Seu coração, curvando-Se em inconsolável pranto. Contemplando Seus filhos rebeldes, ergueu a voz numa lamentação dolorosa: “Meus filhos, meus filhos! Já não posso chamá-los assim! Queria tanto tê-los nos braços meus! Lembro-Me quando os formei com carinho! Vocês surgiram felizes e perfeitos, em acordes de esperança em eterna harmonia! Vivi para vocês, cobrindo-os de glória e poder! Vocês foram a minha alegria! Por que seus corações mudaram tanto? O que mais poderia eu ter feito para fazê-los permanecer comigo? Hoje mina alma sangra em dor pela separação eterna! Como olharei para os lugares vazios onde tantas vezes rejubilastes ergueram as vozes em hosanas festivas, sem me vir à mente um misto da felicidade e dor?! Saudade infinita já invade o meu ser, e sei que será eterna! Hoje o meu coração rompeu e quebrou-se; as cicatrizes carregarei para sempre! Depois de proclamar em pranto tão dolorosa lamentação, o Eterno, dirigindo-Se a Lúcifer, o causador de todo o mal, disse: “Você recebeu um nome de honra ao ser criado. Agora não mais o chamarão Lúcifer, mas Satã, o inimigo do Criador e de Suas leis.” Depois de lamentar a perdição das hostes rebeldes, o Eterno, em lentos passos, ausentou-se do jardim do Éden, lugar do trono Universal.. Onde seria agora a Sua morada? As hostes fiéis acompanharam reverentes os Seus misteriosos passos de abandono, que pareciam descerrar um futuro difícil, de sofrimentos e humilhações. Ocupariam os rebeldes o divino trono, profanando-o como domínio do pecado? Esta indagação torturava o coração dos súditos do Eterno. Deixando Sua amada Cidade, o Senhor da luz conduziu-Se, em meio às glórias do Universo, em direção do abismo imenso, a respeito do qual silenciara até então. Ali deteve-Se mais uma vez, emudecido, enquanto parecia ler nas trevas um futuro de grandes lutas. Ante o sofrimento do Eterno, expresso na tristeza de Seu semblante, os fiéis puderam finalmente compreender o significado daquele misterioso abismo: consistia numa representação simbólica do reino da rebeldia. Na face entristecida de Deus manifestou-se, por fim, um brilho que aos fiéis animou. Erguendo os poderosos braços ante as trevas, ordenou em alta voz: “Haja luz.” Imediatamente, a luz de Sua presença inundou o profundo abismo e, triunfando sobre as trevas, revelou um mundo inacabado, coberto por cristalinas águas. Com esse gesto, iniciava o Eterno uma grande batalha pela reivindicação de Seu governo de luz; batalha do amor contra o egoísmo; da justiça contra a injustiça; da humildade contra o orgulho; da liberdade contra a escravidão; da vida contra a morte. Batalha que, sem trégua, se estenderia até que, no alvorecer almejado, pudesse o divino Rei retornar vitorioso ao santo monte Sião, onde, entronizado em meio aos louvores dos remidos, reinaria para sempre em perfeita paz. As trevas, em sua fuga, apontavam para o aniquilamento final da rebeldia. As águas abundantes que cobriam aquele mundo, até então oculto, simbolizavam a vida eterna que para os fiéis seria conquistada pelo amor que tudo sacrifica. O mundo revelado era a Terra. Visitada pelas trevas e pela luz, ela seria o palco da grande luta. Rejubilavam-se os fiéis ante o triunfo da luz naquele primeiro dia, quando as trevas em sua fúria rolaram sobre o planeta, sucumbindo-o em densa escuridão. A luz, que parecia vencida, renasceu vitoriosa num lindo alvorecer. Ao raiar a luz do segundo dia, o Eterno ordenou: “Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre água e águas.” Imediatamente, o calor de Sua luz fez com que imensa quantidade de vapor se elevasse das águas, envolvendo o planeta num manto de transparência anil. Surgiu assim a atmosfera, com sua mistura perfeita de gases que seriam essenciais à vida que em breve coroaria o planeta. O Criador, contemplando a expansão, denominou-a “céus”. A atmosfera, que cheia de brilho envolvia a Terra, sombreou-se ao sobrevir o crepúsculo de um outro entardecer. Capitulo III Ao serem vencidas as trevas no terceiro dia, o Criador prosseguiu Sua obra, fazendo surgir os imensos continentes que ainda estavam sob a superfície das águas. Com as mãos erguidas ordenou: “Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar e apareça a porção seca.” Em pronta obediência, as cristalinas águas cederam sua posição superior à porção seca que se ergueu, sobrepondo-se a elas. Nas regiões baixas da Terra, as águas continuariam refletindo o brilho celeste, sendo um refrigério para as criaturas sedentas. Nesse gesto de humildade, as águas prefiguravam o Criador, que na grande luta desceria ao mais profundo abismo para fazer renascer nas almas sedentas a vida eterna. Contemplando a face daquele novo mundo, o Eterno denominou a parte seca “terra”, e ao ajuntamento das águas chamou “mares”. Com Sua poderosa voz prosseguiu, ordenando: “Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela sobre a terra.” Em obediência ao mando divino, a superfície sólida do planeta revestiu-se de toda sorte de vegetação: lindos prados a florir, campos verdejantes entrecortados por rios cristalinos, florestas sem fim onde árvores frondosas deixavam pender frutos saborosos de infindáveis espécies. A Terra era como uma tela onde o Criador, pelo poder de Sua palavra, coloria quadros de beleza sem par. Enquanto com admiração as hostes contemplavam as belezas daquela criação, surpreenderam-se ao reconhecer sobre o novo planeta o jardim do Éden, lugar do trono divino. O Eterno, pelo poder de Sua palavra, o havia transferido para o seio daquele mundo especial, onde em justiça seria confirmado o governo do Universo. Naquele dia primaveril, a brisa acariciou mansamente as verdes florestas e os prados em flor, inundando a atmosfera com suave aroma e frescor. Contemplando Sua obra, o Criador com felicidade exclamou: “Eis que tudo é muito bom.” Exuberante, o planeta cumpriu mais um dia em sua harmoniosa rotação. As hostes fiéis agora podiam compreender melhor a importância da luz divinal. Sua ausência havia ofuscado, naquela noite, as belezas de Sião. Nesse novo dia, o Criador expressaria o Seu grande poder, dando à Terra luminares que a encheriam de luz e calor. Esses luminares permaneceriam para sempre como símbolos da presença espiritual do Eterno, que é a fonte de toda a luz. Contemplando o espaço escuro e vazio que se estendia ao redor da Terra, com potente voz ordenou: “Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; sejam eles para sinais e para tempos determinados, para dias e anos. E sejam para luminares na expansão dos céus para alumiarem a Terra”. Imediatamente, o espaço tornou-se radiante pelo brilho do sol e pelo reflexo de planetas e satélites. Ante esta demonstração de poder, as hostes fiéis curvaram-se em reverente adoração. No quarto dia, o Eterno criou os mundos de nosso sistema solar não para serem habitados como a Terra, mas para o equilíbrio do sistema. Encheriam também o céu de fulgor, abrandando as trevas das noites terrenas. Volvendo os olhos para a Terra, as hostes alegraram-se por vê-la radiante em cores. Bem próximo dela podia-se ver a Lua que, com seu reflexo prateado, afugentaria as profundas sombras noturnas. Envolvidos por esse cenário encantador, os filhos da luz, rejubilantes, saudaram o alvorecer do quinto dia, que seria de muitas surpresas. O Eterno tornaria a Terra festiva pela presença de infindáveis espécies de animais irracionais que habitariam toda a superfície do planeta. Essa criação teria continuidade no sexto dia. Erguendo as poderosas mãos, o Criador, olhando primeiramente para as cristalinas águas, ordenou: “Produzam as águas abundantemente répteis de alma vivente.” De imediato, as águas tornaram-se ondulantes pela presença de incontáveis espécies de répteis que, felizes e gratos, festejavam a existência num contínuo nadar e saltitar. Desde os seres microscópicos até as grandes baleias, todos surgiram em completa harmonia, refletindo em sua natureza o amor do Criador. Pousando os olhos sobre a atmosfera anil que repousava sobre as verdejantes florestas, o Eterno continuou: “Voem as aves sobre a face da expansão dos céus”. Mediante Sua ordem, os Céus encheram-se de pássaros coloridos que, voando em todas as direções, tinham no coração um cântico de gratidão pela vida. Esse cântico encheu o ar, misturando-se com o perfume das matas floridas. Contemplando com prazer Suas criaturas terrenais, o Eterno abençoou-as dizendo: “Frutificai e multiplicai-vos e enchei as águas nos mares, e as aves se multipliquem na Terra.” Rejubilantes, as hostes fiéis presenciaram o alvorecer do sexto dia. O que criaria Deus nesse novo dia? Esta indagação pairava na mente de todos os seres racionais. Estavam certos de que algo muito especial estava para acontecer. Erguendo os potentes braços, o Eterno ordenou: “Produza a Terra alma vivente conforme a sua espécie: gado, répteis e bestas-feras da terra, conforme a sua espécie.” Sua voz poderosa foi prontamente ouvida e, nas florestas e campos, pôde-se ver o resultado de Seu poder criador. Animais de todas as espécies despertaram numa existência feliz, em meio a um paraíso de perfeita paz. A Terra tomara-se extremamente bela, qual princesa adornada para receber o seu rei e senhor. Quem seria esse ser especial? Movendo-Se com majestade, o Eterno baixou às glórias do novo mundo, dirigindo-Se ao jardim do Éden, lugar do divino trono. Os anjos da luz acompanharam-no reverentes, detendo-se qual nuvem sobre os céus do paraíso. Todo Universo observava com profundo interesse o desdobramento dos atos do Criador, em resposta às acusações de seus inimigos. O momento era decisivo. Tudo indicava que o Eterno demonstraria não ser tirano nem egoísta, coroando alguém sobre o monte Sião. Satã e seus seguidores não duvidavam de que o reino lhes seria entregue e reinariam vitoriosos no seio daquele antigo abismo, onde as trevas e a luz agora se entrelaçavam. Os súditos da luz estremeceram ante essa perspectiva. Junto à fonte do rio da vida, o Eterno curvou-Se solenemente e, com os elementos naturais da Terra, começou a moldar, com muito carinho, uma criatura especial. Depois de alguns instantes, estava estendido diante do Criador o corpo, ainda sem vida, do primeiro homem. O Eterno contemplou-o e, após acariciar lhe a face fria e descorada, soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida e o homem começou a viver. Como que despertando de um sono, o homem abriu os olhos e contemplou a face meiga de Seu Criador que, sorrindo, beijou-lhe a face agora corada e cheia de vida. Emocionou-se ao ouvir o Eterno dizer-lhe com voz suave e cheia de afeição: “Meu filho, meu querido filho!” Por ter nascido do solo, o primeiro homem recebeu o nome de Adão. Tomando-o pela mão, o Eterno levantou-o. Sem perceber o cenário de fulgor que o circundava, Adão, num gesto de gratidão pela existência, envolveu o Criador num terno abraço, prostrando-se em reverente adoração. As hostes fiéis que admiradas testemunhavam a grandiosa realização divina, emocionadas ante o gesto humano, prostraram-se também em reverente adoração. Uniram então as vozes num cântico de júbilo em saudação àquela criatura especial, que despertava para a vida num momento tão decisivo para o Universo. Com o coração cheio de felicidade, Adão uniu-se aos anjos em seu cântico de louvor. Sua voz, ao ecoar pelos arredores floridos, misturou-se ao canto das aves e ao mugir de animais que se aproximavam em festa. Num passeio de surpresas inesquecíveis, Adão foi conscientizado das belezas de seu lar. Com admiração, contemplou o monte Sião, donde jorrava o rio da vida, numa cascata de luz. O glorioso monte jazia coroado por um lindo arco-íris. Em seus passos, seguiu o curso do cristalino rio, que deslizava sereno em meio às maravilhas do Éden. Admirava-se das altaneiras árvores que, embaladas pela brisa, deixavam pender dos ramos abundantes flores e frutos. Inclinava-se aqui e acolá, atraído pelo fulgor de pedras preciosas que por todas as partes enfeitavam o gramado. Com intensa alegria, Adão tomava conhecimento das infindáveis espécies de animais que povoavam o jardim. Todos eram mansos e submissos e viviam em perfeita harmonia e felicidade. Detendo-se em seus passos, Adão admirou-se da alvura e meiguice de um animalzinho que brincava no gramado. Aproximando-se, tomou-o em seus braços, dedicando-lhe um afeto especial. Como era agradável acariciar sua alva lã! Seus olhinhos meigos refletiam um brilho de amor e humildade. Havia algo de especial naquele animalzinho. Afetuosamente, Adão chamou-o de “cordeiro”. Com o animalzinho em seus braços, Adão olhou agradecido para o Eterno e O adorou. Contemplando Suas alvas vestes, Seus olhos expressivos de um amor sem par, Adão descobriu que tinha nos braços um símbolo de seu Autor. Feliz, exclamou: “Oh, Senhor, este cordeirinho revestido de tão branca lã, com olhar expressivo de tanto amor, se parece Contigo. Eu quero tê-lo sempre junto a mim.” Observando os animais, Adão percebeu que eles desfrutavam de um companheirismo especial. Via por toda parte casais felizes que viviam um para o outro. Seus pensamentos voltaram-se para o Seu Companheiro. Olhou ao derredor e ficou surpreso por não vê-Lo. O Eterno havia Se ocultado propositalmente, tornando-Se invisível. Adão sentia-se solitário em meio àquele paraíso. Com quem partilharia sua felicidade e seu amor? Havia ali os animais, mas eles eram irracionais, não podendo compartilhar de seus ideais. Nascia em seu coração, ao caminhar solitário naquele entardecer, um desejo ardente de encontrar alguém que pudesse estar sempre a seu lado. Enquanto Adão olhava para as distantes colinas na esperança de ver alguém, o Eterno apresentou-Se ao seu lado e disse-lhe: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma companheira.” Adão ficou feliz ao ouvir do Criador essa promessa, justamente no momento em que tanto ansiava ter alguém para estar sempre visível a seu lado. Tomado por um profundo sono, Adão reclinou-se no peito de seu amoroso Criador que, com carícias, o fez adormecer. Em seu subconsciente surgiram os primeiros sonhos coloridos: Contempla o olhar meigo do Eterno; ouve o som harmonioso da música angelical; descobre as maravilhas ao derredor: o monte Sião com seu arco-íris; o rio da vida; os prados em flor; os animais que o saúdam em festa. Repetem-se em seus sonhos as cenas que o envolveram em seu anseio; olha ao derredor na esperança de encontrar seu companheiro, mas não o vê. Sente-se solitário em seu sonho, e isso o faz procurar alguém com quem possa compartilhar sua existência. Seu olhar estende-se por campinas verdejantes, divisando ao longe colinas floridas. Enquanto caminha esperançoso, sente a brisa mansa a afagar lhe os cabelos macios. Conversa com a brisa: “Brisa, você parece ser quem tanto procuro; você me afaga os cabelos; beija minha face; você tem o perfume das verdes matas. Se eu pudesse ver sua face, beijá-la-ia; se eu pudesse tocar os seus cabelos, faria longas tranças e as enfeitaria com as flores do nosso jardim!” Após caminhar em sonho pelos prados do paraíso, Adão deteve-se enquanto contemplava a paisagem ao redor. Admirou-se por não ver o efeito da brisa nos ramos floridos. Mas como, se assentia calidamente no rosto? Começou então a despertar de seu sonho. Ainda com os olhos fechados lembrou-se do momento em que, sonolento, recostara-se no peito do Eterno. Seria a brisa o afago de Suas mãos? Com esta indagação abriu os olhos e emocionou-se ao contemplar uma linda mulher que, com as mãos perfumadas, acariciava-lhe a face com amor. Era a brisa de seu sonho; a promessa de um Criador que só queria fazê-lo feliz. Agora Adão era completo, pois tinha Eva, que era carne de sua carne e ossos de seus ossos. Tomando-a pela mão, Adão convidou-a para um passeio de surpresas inesquecíveis. Mostraria à sua companheira as belezas de seu lar. Sensibilizada Eva detinha-se a cada passo, atraída pelas flores que exalavam suaves perfumes; pelos pássaros que gorjeavam alegres cantos; pelos animais que os seguiam submissos; pela vegetação de ricos matizes; pelas águas cristalinas do rio da vida que jorravam em cascata do monte Sião. Tudo no paraíso era perfeito e belo, mas nada se igualava ao ser humano, criado à imagem de Deus. Voltaram-se um para o outro em admiração e carícias. Embalados por esse amor, permaneceram até o entardecer. Com deleite, o jovem casal passou a contemplar o sol poente que, através de rosados raios, coloria o céu em lindo arrebol. Era o sexto dia que chegava ao seu final, dando lugar às horas de um dia especial: o sábado. Esse dia, em seu significado, seria solene para todos os súditos do Eterno, pois seu alvorecer traria a vitória para o reino da luz. O sol, que durante o sexto dia alegrara a natureza com seu brilho e calor, ocultou-se, deixando-a em frias sombras. Os alegres pássaros, silenciando seus trinos, buscavam seus ninhos enquanto os outros animais se recolhiam. Somente o casal permaneceu imóvel, procurando divisar, no último lampejo que se apagava no horizonte, a esperança de um novo alvorecer. Indagavam o sentido das trevas quando, por entre as ramagens, viram um lindo luar, cujos raios prateados banhavam a natureza em suave luminosidade. Todo o céu estava iluminado pelo fulgor das estrelas. Admirados, descobriram que a noite somente era trevas quando se olhava para baixo. Adão e Eva em sua inocência não sabiam que aquela noite simbolizava o futuro sombrio da humanidade. Quando o compreendessem, ficariam confortados ao contemplar o fulgor dos céus: o luar falaria de esperança e as estrelas cintilantes testemunhariam o interesse das hostes da luz em aclarar-lhes as trevas morais, dando alento aos pecadores. Mas seriam iluminados apenas aqueles que, desviando os olhos da Terra, contemplassem os altos céus. Após contemplar por algum tempo o céu em sua luminosidade, o casal, lembrando-se das belezas do paraíso, volveu os olhos, buscando divisá-las. Estavam, porém, ocultas em meio às sombras. Quanto almejavam o alvorecer, pois somente ele traria consigo o paraíso! Ante o anseio do coração humano, o Eterno surgiu em meio às trevas, devolvendo ao casal a alegria de se encontrar novamente num jardim colorido. Banhados em suave luz, caminhavam agora por prados verdejantes e floridos, o brilho do Criador despertava a natureza por onde passavam, colorindo e alegrando tudo em derredor. O casal, admirado, aprendeu que ao lado do Eterno poderiam ter um paraíso em plena noite. Sentindo-se sonolentos, Adão e Eva recostaram-se no colo do amoroso Pai, que os faz adormecer docemente, esperançosos de um despertar feliz. Deitando-os sobre a relva macia, o Eterno elevou-Se indo para junto das hostes contemplativas. Voltaria a manifestar-Se ao alvorecer, fazendo o casal despertar para o mais solene acontecimento, que reduziria a pó as vis acusações dos inimigos. A noite escura e fria, através de suas longas horas, parecia zombar da luz. Ofuscaria para sempre as belezas da criação? Oh, jamais! O sol não recuaria ante a imponência das trevas; surgiria em breve como um libertador, arrebatando com seus cálidos raios a natureza das frias garras, dando-lhe vida e cor. Num último desafio, as trevas tornaram-se densas nas horas que antecederam o alvorecer. A noite arregimentava suas forças para lutar pelo domínio usurpado. Finalmente, surgiu no leste um lampejo que parecia falar de esperança em um novo dia. O céu aos poucos tornou-se colorido de um vermelho vivo. As trevas impotentes recuaram ante a força crescente da luz e foram consumidas em sua fuga. A natureza começou a despertar da longa noite, refletindo em seu seio os saudosos raios. Flores abriram-se, exalando perfumes de alegria; animais e aves, silenciados pela noite, uniram as vozes num cântico triunfal em saudação ao alvorecer daquele dia grandioso. A negra noite chegara ao fim, dando lugar à luz do dia sonhado - dia que para Deus tinha um sentido especial, pois prefigurava a final vitória de Seu reino sobre o domínio da rebeldia. O Eterno agora despertaria Seus filhos humanos que, banhados pela luz de Sua presença, haviam adormecido na esperança de um alvorecer feliz. Numa marcha festiva, todas as hostes santas, com cânticos de vitória, acompanharam-no rumo ao paraíso banhado em luz. Quando já estavam próximos, o Criador deteve-Se contemplando o casal adormecido, e exclamou suavemente: “Acordem meus filhos.” Sua voz penetrou nos ouvidos de Adão e Eva, despertando-os para a mais feliz comunhão. Quão depressa raiara a acalentada manhã, trazendo em sua luz o doce paraíso, perdido naquela noite! Com alegria o casal saudou o divino Criador, unindo-se aos anjos em antífonas triunfais. O Universo vivia um momento de veras solene. Naquela manhã festiva, o Eterno haveria de revelar a grandeza de Seu caráter, que é justiça e amor. As acusações de que Seu governo era de egoísmo e tirania seriam refutadas. Aos olhos de todas as criaturas racionais do vasto Universo, Deus conduziu o jovem casal ao monte Sião, lugar do divino trono. Ali, ante o estremecimento das hostes emudecidas, o Criador, num gesto surpreendente, cobriu o homem com o manto real, colocando sobre sua cabeça a coroa que fora cobiçada por Lúcifer. Movidos por profunda gratidão pela suprema honra conferida, Adão e Eva prostraram-se reverentes, depondo aos pés do Criador sua coroa preciosa, em sinal de submissão. Seguiu-se a esse gesto humano um brado de vitória que sacudiu toda a Criação. Os filhos da luz, que por tanto tempo haviam sofrido afrontas e humilhações ante as constantes acusações das hostes rebeldes, exaltaram em retumbante louvor o Deus bendito, que em Sua obra de justiça desmentira os inimigos, revelando Seu caráter de humildade, desprendimento e amor. Tendo constituído o homem como o senhor de toda a criação, o Eterno, com voz solene, passou a conscientizá-lo da grandiosidade de sua missão. Como um mordomo fiel, deveria cuidar do paraíso, mantendo límpida a fonte do rio da vida. As leis da justiça e do amor, fundamentos do reino da luz, deveriam ser honradas. Como um cetro racional, caberia ao homem, em gesto de reconhecimento e gratidão, aceitar livremente o governo d’Aquele que o criou. As hostes, que maravilhadas testemunhavam a revelação do desprendimento divino, compreenderam que o Senhor da Luz não governaria mais o Universo, a não ser com o consentimento humano. O homem, pela vontade do Eterno, fora feito o árbitro da criação; em seu glorioso ser, feito à imagem do Criador, resplandecia o selo do eterno domínio. Após revelar ao casal a infinita honra e responsabilidade de sua missão, o Criador conscientizou-o do conflito espiritual que se travava pela conquista do domínio universal: Lúcifer, que por incontáveis eras servira ao divino Rei em Sião, havia sido corrompido pelo orgulho e pelo egoísmo, sendo seguido por um terço das hostes racionais; buscavam agora destronar o Eterno, desonrando-O com vis acusações. Tendo revelado ao ser humano a dolorosa situação em que o Universo se encontrava, o Eterno, num gesto solene, mostrou-lhe duas altaneiras árvores que, carregadas de grandes frutos, se erguiam em ambas as margens do rio que nascia do trono. A que se elevava à direita revelou o Senhor ser a árvore da vida monumento do reino da luz. A que se erguia à outra margem revelou-se a árvore da ciência do bem e do mal - símbolo da rebeldia. Comendo do fruto da árvore da vida, o homem manifestaria sua submissão ao Criador, que é Fonte de vida e luz. Comer da outra árvore seria entregar ao inimigo o domínio de Sião. O inevitável resultado desse passo seria a morte eterna, não somente para o ser humano, mas para toda a criação, que se reduziria ao caos sob a fúria da rebeldia. Após contemplar demoradamente as duas altaneiras árvores, que externavam em seus frutos tão infinita responsabilidade, Adão prostrou-se ante o Criador, dizendo: “Digno és Senhor de reinar sobre o Universo, pois pela Tua sabedoria, amor e poder todas as coisas foram criadas e subsistem.” O sábado, emblema do triunfo divino, encheu-se de louvor. Todos os filhos da luz uniram-se ao ser humano no mais harmonioso cântico de exaltação Àquele cuja grandeza é sem par. Foi com espanto que Satã e seus seguidores testemunharam a grandiosa realização do Eterno. Presenciaram com amargura a alegria dos fiéis ante a coroação do homem- acontecimento que lançara por terra as fortes acusações que eles haviam levantado contra o governo divino. Cheios de frustração e ira, consideravam agora sua triste condição. Quão terrível e humilhante era-lhes o pensamento de verem seus planos de rebeldia desfazerem-se diante do Criador, semelhantes às sombras daquela noite. Se pudessem, pensavam, encheriam o sábado de trevas, banindo da mente dos súditos do Eterno qualquer esperança de vitória. Finalmente, em suas considerações, Satã e seus liderados compreenderam que lhes restava uma oportunidade: no meio do jardim do Éden, nas alturas de Sião, elevava-se, junto ao rio da vida, a árvore da ciência do bem e do mal. Bastaria um gesto humano, nada mais, e teriam sob seu poder, para sempre, o domínio cobiçado. Mas como seduzi-lo? Animado ante a perspectiva de uma conquista, Satã procurou, com engenhosidade, arquitetar um plano de abordagem. Sabia que, se falhasse em sua tentativa, todas as esperanças de triunfo ter-se-iam diluído, desfazendo-se todos os seus sonhos de aventura. Concluiu que o engano haveria de ser sua poderosa arma. Não fora através dele que conseguira dominar um terço das hostes celestes?! Aguardaria, portanto, um momento propício para armar sua cilada. Capitulo IV No Éden pairava a doce calma de uma perfeita paz. Por todos os lados os amáveis passarinhos faziam ouvir seus alegres trinos em louvor constante ao Criador. Toda a natureza a florir parecia proclamar um reino de eterna alegria. Os animais em união brincavam por toda parte, sempre submissos ao homem, o senhor daquele paraíso encantador. Tudo era felicidade para o casal; mas esta tornava-se mais intensa na viração daqueles dias primaveris. O arrebol, que com sua beleza coloria o céu prenunciando as escuras noites, anunciava-lhes também o momento da visita diária do Eterno. Juntos, sob a luz de Sua presença, passavam longo tempo em feliz conversação. Com ânimo, o casal contava ao Senhor as surpreendentes maravilhas que iam descobrindo a cada dia na natureza. Deus, com carinho, descerrava-lhes o significado de cada ser. Como ficavam gratos pelas lindas lições aprendidas a Seus pés! A cada dia que passava, maior era o amor, o respeito e a admiração pelo grandioso Criador. Como Ele fora bom, trazendo-os à existência e concedendo-lhes um lar tão cheio de delícias! Ao despertarem para as alegrias de cada dia, vinham-lhes à lembrança as carícias eo doce canto do Eterno, que os fazia adormecer todas as noites. A vida de Adão e Eva no Éden não era de ociosidade. A eles foi recomendado o cuidado do jardim. Sua ocupação não era cansativa, ao contrário, era agradável e revigorante. O Criador indicara o trabalho como uma fonte de benefícios para o homem, a fim de ocupar-lhe a mente e fortalecer-lhe o corpo, desenvolvendo-lhe todas as faculdades. Na atividade mental e física, o homem encontrava um elevado prazer. Era comum ao jovem casal receber visitas de seres celestes. Aos visitantes sempre tinham novidades a relatar e perguntas a fazer. Passavam longo tempo ouvindo deles sobre as maravilhas do reino de luz. Através desses visitantes, Adão e Eva passaram a ter amplo conhecimento da rebelião de Lúcifer e de suas eternas consequências. Aos visitantes, Adão e Eva sempre pediam que lhes ensinassem os harmoniosos cânticos celestiais. Como se deleitavam ao unirem as vozes ao coro angelical! Em Sua onisciência, Deus tinha conhecimento do terrível intento do inimigo. Convocando as Suas hostes principais, revelou-lhes com pesar o iminente perigo que pairava sobre o Universo. Satã haveria de armar uma cilada, a fim de levar o homem a comer da árvore da ciência do bem e do mal. Ante essa revelação, os filhos da luz ficaram temerosos, pois conheciam a tremenda facilidade de Satã em enlaçar criaturas inocentes e atirá-las em suas malhas de morte. No solene concílio, decidiram enviar, com urgência, mensageiros para advertirem o homem do grande perigo. Dois poderosos anjos foram encarregados dessa decisiva missão. Imediatamente, os mensageiros comissionados irromperam pelos portais de Jerusalém, alcançando o seio do espaço infinito. Em instantes, transpuseram imensidões, cruzando galáxias no percurso. Penetraram no túnel da constelação de Orion, aproximando-se do novo sistema. Podiam agora divisar a pouca distância o planeta azul, onde o destino do Universo estava para ser decidido. No Éden, havia descontração. O jovem casal continuava em suas inocentes atividades, desfrutando o prazer de um viver feliz. Longe estavam de pensar que naquele momento todo o todos os filhos da luz estavam tensos, pensando em seu futuro ameaçado. Viram então no límpido céu o sinal da aproximação dos visitantes celestes e a eles ergueram os braços numa alegre saudação. Adão e Eva admiraram-se, porém, por não verem no semblante deles a mesma alegria. Os visitantes traziam na face uma expressão de anseio que eles não podiam entender. Tentaram mudar-lhes a triste feição, contando-lhes as novas descobertas feitas no paraíso. Os mensageiros, todavia, não tendo tempo disponível como outrora, interromperam-nos com palavras de advertência. Satã haveria de armar-lhes uma cilada, a fim de levá-los a comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Se dessem ouvidos à tentação, fariam sucumbir toda a criação no abismo de um eterno caos. Os anjos lembraram-lhes que o reino lhes fora confiado como um sagrado depósito, devendo, em uma vida de fidelidade, honrar Aquele que por amor esvaziou-Se, colocando-Se numa posição de hóspede do ser humano. Adão e Eva deveriam ser firmes ante as insinuações do inimigo, pois assim selariam a eterna vitória do reino da luz. Falando-lhes da feliz recompensa que se seguiria ao seu triunfo, os anjos revelaram que era o plano de Deus a transferência de Jerusalém Celeste para a Terra. Ali, novamente acoplada ao paraíso, permaneceria para sempre. E o homem, submisso ao Criador, reinaria pelos séculos sem fim sobre o monte Sião, em meio aos louvores das hostes universais. Mas tudo isso dependia inteiramente do posicionamento humano frente às tentações do inimigo, que faria de tudo para arrebatar-lhe o reino. Adão e Eva ficaram temerosos ao conhecerem os planos de Satã, mas foram consolados ao saberiam que ele não poderia fazer-lhes nenhum mal, forçando-os a comer do fruto proibido. Se, porventura, procurasse intimidá-los com seu poder, todas as hostes do Eterno viriam em seu socorro. Os mensageiros da luz concluíram sua missão recomendando ao casal permanecerem vigilantes, tendo sempre em mente a responsabilidade que sobre eles repousava. Não deveriam separar-se um do outro, nem por um momento sequer, pois a sós poderiam ser seduzidos. Adão e Eva, agradecidos pelas advertências dos anjos, uniram as vozes num cântico de promessa em uma eterna vitória. Estavam certos de que jamais abandonariam o bendito Criador, ouvindo a voz do tentador. Animados ante a promessa humana, os dois mensageiros retornaram ao seio da Jerusalém Celeste onde, junto às hostes santas, aguardariam com anseio o anelado triunfo. Satã viu aproximarem-se do paraíso os mensageiros e ouviu o canto do homem prometendo uma eterna vitória. Esse cântico fez com que sua inveja e ódio aumentassem de tal maneira que não os pôde conter. Disse então a seus seguidores que em breve faria silenciar aquela voz irritante. Faria tudo para transformar o louvor humano em blasfêmias ao Criador. As hostes rebeldes ficaram curiosas para conhecer os planos de seu chefe, mas foram por ele advertidas de que deveriam aguardar até que tudo ficasse para sempre decidido. Se o homem ouvisse sua voz, comendo do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, seria vitorioso, possuindo para sempre o domínio do Universo. Caso o homem resistisse, permanecendo fiel ao Criador, já não haveria qualquer esperança para eles. O paraíso parecia estar envolvido por uma eterna segurança, mas no semblante do homem podia ser vista uma expressão de temor. Desde a partida dos anjos, Adão e Eva permaneciam silenciosos, meditando com reverência sobre a tremenda responsabilidade de sua missão. Pensavam na seriedade daquela iminente prova que haveria de selar o seu futuro e o de toda a Criação. Animados, contudo, ante o pensamento da vitória, uniram mais uma vez as vozes num cântico que expressava a certeza do triunfo anelado. Essa melodia baniu de suas mentes todo o medo de derrota e, alegres, correram pelos prados verdejantes, acompanhados pelos fogosos animais que pareciam comemorar a grande conquista. Sentiam-se seguros em seu paraíso, totalmente esquecidos do perigo de um possível assalto. Satã, que observava atentamente o casal, percebeu estar chegando a sua oportunidade. Aproximou-se de forma invisível do paraíso, e ficou esperando o melhor momento para armar sua cilada. Inconsciente da presença do inimigo, o casal continuava em sua desprendida alegria, brincando despreocupadamente com os animais. No semblante transtornado de Satã estampou-se um maldoso sorriso, ao presenciar um descuido do casal: em sua exaltação, haviam deixado de atender a última recomendação dos mensageiros, afastando-se um do outro. O astuto inimigo, não perdendo tempo, apossou-se de uma serpente, a mais bela do paraíso, fazendo-a aproximar-se graciosamente de Eva. Eva, que assentada no gramado brincava com os animais, percebeu a presença da atraente serpente, cujo corpo refletia as cores do arco-íris. Ficou admirada ao vê-la colher flores e frutos do jardim, depositando-os a seus pés. Agradecida, tomou-a nos braços, dedicando-lhe afeto. Tendo conquistado a afeição da mulher, Satã, em sua astúcia, começou a atraí-la para junto da árvore da ciência do bem e do mal. Sem se dar conta do perigo, Eva acompanhou a serpente até a árvore da prova. Ali, tendo nos braços o inimigo velado, acariciou-o e disse-lhe palavras de carinho. Tendo nos olhos o brilho da sedução, a serpente pôs-se a falar. Suas palavras eram cheias de sabedoria e ternura e sua voz como a de um anjo. Eva mal pôde crer no que via. Sua alegria tornou-se imensa por ter nos braços uma criatura tão fantástica. Passaram a conversar sobre muitas coisas: o amor; as belezas do jardim; o poder do Criador. Eva ficou admirada ante o conhecimento tão vasto da serpente, que discorria com maestria sobre qualquer assunto. Envolvida por essa experiência, Eva esqueceu-se completamente de seu companheiro. Nem sequer passavam pela sua mente as advertências dos anjos. Adão, inteiramente esquecido dos conselhos dos mensageiros celestes, havia se afastado na companhia de alguns animais. Depois de certo tempo, sobreveio com ímpeto em sua mente a lembrança das advertências recebidas. Soaram em seus ouvidos com clareza as últimas palavras proferidas pelos anjos: “Não se afastem um do outro… Não se separem nem por um instante, pois é perigoso.” O seu coração pulsou forte por não ver Eva a seu lado. Ergueu então a voz num grito ansioso. Sua voz, ao ecoar pelas abóbadas do paraíso, contudo, não trouxe consigo uma resposta. O silêncio quase o sufocou. Em sua aflição pôs-se a correr de um lado para outro, procurando-a, em vão. Nessa ansiosa busca, sentiu a brisa afagar-lhe os cabelos e recordou seu primeiro sonho. Essa lembrança, no entanto, desfez-se ante o pensamento do perigo que os ameaçava. Com a mente tomada por um grande senso de culpa, Adão apressou o passo na aflitiva procura. Onde estaria a sua amada? A envolveria a tempo em seus braços, livrando-a de cair? Mais uma vez ergueu a voz num grito ansioso que repercutiu por todo jardim: “Eva, onde você se encontra?” Aguardou uma resposta, mas ouviu somente um eco vazio que o desesperou. Lembrou-se da árvore da ciência do bem e do mal; ali era o único lugar em que sua companheira poderia ser iludida. Esperando obstruir a única oportunidade do inimigo, avançou em direção ao lugar da prova. Seu coração pulsou forte ao contemplar ao longe a copa da árvore proibida. Com a serpente em seus braços, Eva interrogou-a a respeito de muita coisa. Maravilhou-se ao perceber que a serpente a sobrepujava grandemente em conhecimento. Cheia de curiosidade, perguntou à serpente: - Onde está a fonte de seu tão grande saber? Responda-me, pois quero também possuí-la. Sem perder tempo, Satã, apontando para a árvore da ciência do bem e do mal, respondeu: - Ali está a fonte de todo meu saber. Ele conta então uma mentirosa história: disse que era uma serpente como as demais, comendo dos frutos do paraíso. Provando certo dia daquele fruto proibido, recebeu, como que por encanto, todas as virtudes. Olhando para a árvore da ciência do bem e do mal, Eva ficou surpresa e confusa. Privaria o Criador em seu amor algo tão bom às suas criaturas?! Vendo-a surpresa, Satã perguntou: - É assim que Deus disse: Não comereis de todas as árvores do jardim? Eva, inquieta, respondeu: - Dos frutos das árvores do jardim comemos, mas do fruto dessa árvore que você diz ser fonte de sabedoria, disse Deus: “Não comereis dele, para que não morrais.” A serpente em tom de desdém disse: - Isso é falso. Se fosse assim, eu teria morrido. Certamente o Eterno os proibiu de comer dessa árvore para impedir que o homem venha a se tomar como Ele, conhecendo todas as coisas. As palavras sedutoras da serpente causaram confusão na mente de Eva. Em quem confiaria? Tinha em mente a lembrança da ordem do Criador e de sua sentença, mas ao mesmo tempo tinha diante de si uma prova palpável que O contradizia. Atordoada, começou a duvidar do caráter do Eterno. Num desafio, a serpente colheu frutos da árvore proibida e passou a saboreá-los. Colocando um fruto nas mãos da mulher, incentivou-a a comer, dizendo: - Não disse o Eterno que se alguém tocasse nesse fruto morreria? Um completo silêncio pairava sobre o Universo. Em cada planeta habitado, os filhos da luz contemplavam impotentes àquela angustiante cena. O futuro deles estava em jogo. Em Jerusalém havia grande comoção. Poderosos anjos apresentaram-se diante do Criador, solicitando permissão para esmagarem o covarde inimigo, oculto naquela serpente. O Eterno, contudo, impediu-lhes tal ação. Se o uso da força fosse a solução, já o teria aplicado. Deveriam respeitar o livre-arbítrio concedido ao homem, podendo ele manifestar sua escolha sob a tentação do inimigo. Os filhos da luz sofriam imensamente ao verem a mulher duvidando d’Aquele que tão bondosamente lhes dera a vida e a oportunidade de reinarem naquele paraíso. Como poderia duvidar de quem lhes dedicava tanto amor?! Adão, que numa forte esperança de assegurar a acalentada vitória apressava-se em sua corrida, contemplou ao longe sua amada, assentada junto à árvore da prova. O que fazia Eva naquele lugar tão perigoso?! Um pressentimento horrível lhe sobreveio, ao lembrar-se mais uma vez das advertências recebidas, mas procurou bani-lo como pensamento de que alcançaria sua esposa antes que algum mal lhe ocorresse. Eva vacilava em sua convicção ao contemplar o fruto em suas mãos. Por alguns momentos o futuro pareceu-lhe sombrio e aterrador, mas venceu esse sentimento, pensando nas glórias que haveria de conquistar ao comer aquele fruto. Ainda um tanto indecisa, ergueu vagarosamente as mãos até tocar o fruto com os lábios. Os súditos do reino da luz, estremecidos, inclinaram-se tomados por grande espanto. Parecia quase impossível, àquela altura, a mulher voltar atrás. Enquanto pálidos os fiéis indagavam sobre uma possível esperança, presenciaram com horror a terrível decisão de Eva: resolvera romper para sempre com o Criador, tornando-se cativa da morte. O Eterno, que em silente dor contemplava aquela cena de rebelião, curvou a fronte tendo a face banhada de lágrimas. Não podia suportar a dor daquela separação. Os fiéis, que em pânico julgavam-se vencidos, foram conscientizados de que nem tudo estava perdido. Se Adão resistisse à tentação, permanecendo fiel ao Eterno, ele selaria a grande vitória. Eva, que fora vítima de um engano, poderia ser conscientizada de seu erro, sendo favorecida com o perdão divino. Quando Adão em sua angustiosa corrida alcançou o lugar da provação, já era tarde demais. Assentada junto ao rio, Eva saboreava despreocupadamente o fruto proibido. Adão estremeceu. Seria mesmo o fruto da prova? Num gesto de esperança olhou para a árvore da ciência do bem e do mal, mas em pranto reconheceu a triste condenação. Cheio de tristeza contemplou sua esposa, mas não encontrou palavras para despertá-la para tão amarga realidade. Em completo desespero, ergueu a voz numa dolorosa exclamação: “Eva, Eva, o que você está fazendo!” Ao comer do fruto proibido, a mulher foi tomada por emoções que a fizeram imaginar haver alcançado uma esfera superior de vida. Ao ouvir a voz de seu esposo, ainda tomada pelas ilusórias emoções, ergueu a fronte estampando um sorriso, mas surpreendeu-se ao vê-lo chorando. Com profunda amargura, Adão procurou saber a razão que a levara a rebelar-se contra o Eterno. Eva, prontamente, passou a contar-lhe a fantástica história da sábia serpente. Satã sabia que essa história de serpente jamais convenceria o homem a comer do fruto da árvore proibida. Precisava encontrar uma maneira sutil de levá-lo a selar sua sorte seguindo os passos de sua esposa. Tendo Eva sob seu poder, resolveu fazer dela o objeto tentador. Aguardaria o momento oportuno para enlaça-lo. No dia em que dela comerdes, certamente morrereis. A lembrança desta sentença deixava Adão muito aflito. A expectativa de ver sua amada perecendo em seus braços, era demais para suportar. Esta aflição, contudo, foi diminuindo, ao ver que ela continuava feliz e carinhosa ao seu lado, como se nenhum mal lhe houvesse acontecido. Aliviado, Adão voltou a sorrir, correspondendo aos afetos de sua companheira. Rendia-se às mais doces emoções, longe de saber que era o inimigo quem o envolvia naqueles abraços. Nesse momento de enlevo, Eva começou a falar-lhe de sua experiência com a ciência do bem e do mal. Falou-lhe dos tesouros da sabedoria que lhe haviam sido abertos. Em seu novo reino, viveria muito feliz. Entretanto, essa felicidade seria incompleta sem a participação de seu esposo. Falou-lhe da impossibilidade de retroceder em seus passos, e insistiu para que ele a seguisse. Depois de falar-lhe de sua decisão, Eva, com um doce sorriso, estendeu-lhe as mãos contendo um fruto, pedindo-lhe que o comesse numa demonstração de seu amor por ela. Com a voz tentadora em seus ouvidos, Adão assentou-se no gramado em profunda reflexão. Sua face tornou-se novamente pálida e suas mãos trêmulas. Temia rebelar-se contra o Criador, mas ao mesmo tempo compreendia que não conseguiria viver separado de sua companheira, a quem amava com infinito amor. Eva era carne de sua carne, a extensão de seu ser. Sentia-se angustiado ao ter de tomar uma decisão tão séria. A palidez do rosto de Adão refletiu-se no semblante de todos os fiéis ao Eterno. Ouviram a insinuação do inimigo e perceberam com horror a vacilação do homem. A indecisão de Adão deixava-os desesperados. Obedecesse ele àquela proposta de Satã, toda felicidade seria eternamente banida. Nas decisões do ser humano estava o destino de todo o Universo. Atenderia ele ao apelo de Satã? Depois de intensa luta íntima, Adão olhou para sua companheira; a ela unira-se em promessas de uma eterna entrega. Não a deixaria só agora. Partilharia com ela os resultados da rebelião. Tomou então das mãos de Eva um fruto e, num gesto apressado, levou-o à boca. Procurando abafar a voz de sua consciência, que lhe falava de uma eterna perdição, Adão lançou-se nos braços de sua esposa, desfrutando o alto preço de sua rebelião. Satã, com brados de triunfo, deixou o paraíso, voando rapidamente para junto de suas inumeráveis hostes, que aguardavam ansiosas o resultado de tão arriscada tentativa. Ao saberem da desgraça humana, uniram-se numa estrondosa festa. Sentiam-se seguros. Sião agora lhes pertencia por direito, podendo lá estabelecer um reino eterno, jamais sendo molestados pelas leis do Eterno. Em todo o Universo os filhos da luz sofriam e pranteavam a derrota. Nunca houvera tanta tristeza e horror ante o futuro. As vozes que viviam a entoar louvores ao Criador proferiam agora lamentações. O Eterno, que vencido por infinita dor prostrara - Se em pranto ante a queda do homem, não fora, contudo, surpreendido. Antes mesmo de criar o Universo já havia previsto esse triunfo da rebeldia e, em Sua sabedoria e amor, idealizara um plano de resgate que O envolveria num imenso sacrifício. Enxugando as lágrimas de Seu pranto, pôs-Se a agir poderosamente em favor de Seus fiéis aflitos, impedindo-os de caírem nas mãos dos inimigos. Nessa misteriosa intervenção que aparentemente depunha contra a justiça, o Eterno ordenou que Seus mais poderosos anjos circundassem imediatamente o jardim do Éden, impedindo que Satã tomasse posse do monte Sião. Consoladas ante a manifestação divina, as potentes criaturas, em pronta obediência, romperam o espaço infinito, circundando em instantes o paraíso, no seio do qual o ser humano, já transtornado pelo pecado, vivia o negror de uma noite que seria longa e cruel. Sendo a autoridade do Eterno fundamentada na justiça, de que maneira poderia justificar Suas ações diante dos inimigos? Não entregara por Sua vontade o reino ao homem, e esse por livre escolha não o submetera a Satã? Enquanto surpresas as criaturas racionais consideravam as ações decisivas de Deus, ouviram Sua potente voz que, repercutindo por toda a criação, trazia a revelação do grande mistério - revelação tão maravilhosa que a partir daquele momento, por toda a eternidade, ocuparia a mente dos fiéis, sendo tema para as mais doces meditações. O Eterno falou primeiramente sobre a terrível condenação que pendia sobre o homem e toda a criação. Disse que, ao se desligar da Fonte da Vida, o homem havia se precipitado em tão profundo abismo que não poderia ser alcançado pelo Seu braço de justiça e poder. Humilhado e torturado pelas garras do inimigo, não restava ao homem outra sorte além da morte - fruto doloroso de sua espontânea rebelião. Considerando a situação humana, as hostes da luz não viam possibilidades de triunfo. Sabiam que só o homem poderia retomar o domínio do inimigo, devolvendo-o ao Criador. Mas o ser humano, eternamente escravizado em sua natureza, seria incapaz de tal vitória. Com voz melodiosa e cheia de ternura, Deus revelou o plano da redenção, dizendo: “Na verdade, o homem colherá o fruto de sua rebelião numa terrível morte. Não posso, com o meu poder, mudar-lhe a sorte. Se assim agisse, seria injusto diante de meu decreto. Mas farei cair toda a condenação sobre um Substituto que surgirá na descendência humana. Esse Homem não trará em suas mãos as algemas da morte, sendo inocente e incontaminado em Sua natureza. Como representante da raça humana, enfrentará Satã e o vencerá. Após triunfar nessa batalha, provando que o amor é mais forte que o egoísmo, que a verdade é mais forte que a mentira, que a humildade é mais poderosa que o orgulho, o fiel Substituto erguerá as mãos vitoriosas não para saudar a grande conquista, mas para tomar das mãos da humanidade escravizada a taça de sua condenação. Sorverá assim, submisso, o cálice da eterna morte. Esse imenso sacrifício abrirá aos seres humanos uma oportunidade de serem redimidos, voltando aos braços do Criador, juntamente com o domínio perdido.” As hostes, surpresas ante a revelação do Eterno, indagaram a identidade d’Esse Substituto. O Criador, com um sorriso amoroso, disse-lhes: “Eu serei esse Homem. O Meu Espírito repousará sobre uma virgem, e nela será gerado um Filho Santo. Esse menino será divino e humano. Em sua humanidade, ele será submisso à divindade que n’Ele habitará. Os remidos verão n’Ele o Pai da Eternidade, o Criador e Redentor, o Rei dos reis. O Seu nome será Yeshua (nome hebraico que traduzido significa o Eterno salva).”Assumindo a natureza humana, Deus poderia pagar o alto preço do resgate, morrendo em lugar dos pecadores. As hostes da luz ficaram emudecidas ao conhecer o plano do Criador. O pensamento de verem-nO submeter-Se a tão penoso sacrifício, a fim de redimir o domínio perdido, era demais para suportarem. Não havia, contudo, outra esperança de vitória, a não ser através dessa amorosa entrega. Após desfrutar o alto preço do pecado, o jovem casal sentiu-se mal. Inicialmente sentiram um grande vazio no coração, que logo foi preenchido pelo remorso e pela tristeza. Perceberam que, inspirados pela cobiça, haviam selado sua triste sorte e a de toda a criação. Parecia-lhes ouvir ao longe o gemido de um Universo vencido. O sol, que os enchera de vida e calor naquele dia, ocultava-se no horizonte, anunciando-lhes uma negra noite. O arrebol, que até ali anunciara-lhes o feliz encontro com o Criador, parecia envolve-los numa sentença de que jamais despertariam para um novo dia. Não ousavam sequer olhar para cima, temendo ver cair sobre eles o raio do juízo que os reduziria a pó. Com o olhar voltado para o frio solo, vinha-lhes à lembrança a sentença: “No dia em que dela comerdes, certamente morrereis.” Desesperadas lágrimas rolavam em seus rostos ao aguardarem o trágico fim. Ao considerar o motivo de sua rebelião, Adão começou a recriminar sua esposa por ter dado ouvidos à serpente. Eva, por sua vez, procurando desculpar-se, lançou a culpa sobre o Criador, dizendo: “Por que o Eterno permitiu que a serpente me enganasse?!” O amor que reinava no coração humano desaparecia, dando lugar ao orgulho e ao egoísmo, que se fundiam em ressentimentos e ódio. Sua natureza já não era pura e santa, mas corrompida e cheia de rebeldia. Tudo estava mudado. Mesmo a brisa mansa que até ali os havia banhado em carícias refrescantes, enregelava agora o culposo par. As árvores e os canteiros floridos, que eram seu deleite, consistiam agora em empecilhos ao caminharem sem rumo naquela noite. O propósito de Satã em encher o sábado de trevas parecia haver se cumprido. Naquela noite, não existia sequer o reflexo prateado do luar para falar-lhes de esperança. As estrelas cintilantes, suspensas no escuro céu, estavam ofuscadas pela dor. Baixavam sobre o mundo as trevas de uma longa noite de pecado - sombras sob as quais tantos se arrastariam sem esperança de um alvorecer. A noite já ia alta e as trevas pareciam envolver o triste casal em eternas sombras. Nem sequer cogitavam em suas poucas palavras, sufocadas pela agonia, de um alvorecer. Cabisbaixo, tateavam daqui para ali, na expectativa do juízo iminente, que os reduziria ao frio pó, esquecido sob aquelas trevas sem fim. Surgiu repentinamente um brilho no céu, que ia aumentando à medida que se aproximava da Terra. O casal estremeceu, pois sabia que era o Criador que vinha dar-lhes o castigo. Vencidos pelo pânico, puseram-se a correr, distanciando-se do monte Sião, o lugar da vergonhosa queda. Justamente para ali viram o Criador dirigir-Se. Eles, que sempre corriam ao encontro do amoroso Pai, atraídos por Sua luz, fugiam agora desesperados em busca de lugares escuros, de densa floresta. O Eterno, movido por infinito amor, passou a seguir os passos do casal fugitivo. Enquanto caminhava, chorava ao lembrar os momentos felizes que havia passado junto a eles naquele paraíso. Como tudo se transformara! Seus filhos não conseguiam mais ver n’Ele um Pai de amor, mas alguém que, irado, buscava castigá-los. Movido por forte anseio de abraçar Seus filhos humanos, Deus fez ecoar a voz numa indagação: “Adão, onde vocês se encontram?” Sua voz, ao soar em meio às trevas, trazia consigo somente um eco vazio que falava de ingratidão e rebeldia. Como desejava envolver o casal num ardoroso abraço, e com palavras de carinho confessar-lhe que Seu amor era o mesmo! Ao ver Seus filhos fugindo de Sua presença, o Eterno foi tomado de grande dor. Ante Seu olhar mareado de lágrimas, estendia-se o futuro da raça humana. Quantos, enganados por Satã, fugiriam de Sua presença no decorrer da longa noite de pecado, julgando-No um Senhor tirano, que vive buscando falhas e fraquezas nos pecadores, a fim de castigá-los! O Criador, todavia, não desistiria de procurá-los pelos vales sombrios do reino da morte, até conquistar um povo arrependido. Adão e Eva, exaustos pela pressurosa fuga, esconderam-se por entre a folhagem de um pé de figueira. Reconhecendo sua nudez, procuraram fazer aventais cosendo aquelas folhas. Vestidos assim, julgaram poder livrar-se do sentimento de vergonha ante o Criador. O Eterno, aproximando-Se do local onde o casal se escondia, perguntou: - Adão, onde estão vocês? Não podendo mais se ocultar de Deus, Adão ergueu-se juntamente com sua companheira e, cabisbaixos, apresentaram-se ao Criador, prostrando-se trêmulos a Seus pés. Não conseguiram encará-Lo mais, devido ao senso de culpa. O Criador, carinhosamente, tomou-os pelas mãos, erguendo-os do chão, e, com expressão de tristeza no semblante, perguntou-lhes: - Por que vocês fugiram de Mim? Acaso comeram do fruto da árvore da ciência do bem e do mal? Adão, todo trêmulo, com voz entrecortada por soluços de temor, respondeu: - A mulher que me deste por companheira, ela deu-me o fruto e eu comi. Com esta resposta, Adão procurava desculpar-se, lançando a culpa sobre sua esposa. Voltando-Se para Eva, o Eterno indagou-lhe: - Por que você fez isso? Eva prontamente respondeu-Lhe: - Aquela serpente me enganou e eu comi. Ambos não queriam reconhecer a culpa, lançando-a sobre outrem. Em suma, atribuíam ao Criador a responsabilidade por todo o mal praticado: “Por que concedera-lhes o livre-arbítrio? Por que criara a mulher? Por que criara a serpente?” Silente, Deus observava Seus filhos que, tímidos e desconcertados, permaneciam diante de Si. Com profunda tristeza, Ele previu que essa seria a experiência de incontáveis seres humanos no decorrer da história. Quantos haveriam de se perder por não reconhecerem a própria culpa! Quantos procurariam justificar-se, lançando seus erros sobre os outros e até mesmo sobre o Criador! Com palavras brandas, o Eterno procurou fazê-los reconhecer sua culpa. Somente reconhecendo sua necessidade, poderiam ser ajudados. Olhando para as frágeis vestes tecidas por mãos pecadoras, disse ao casal: - Filhos, essas vestes são insuficientes, logo secando se desfarão. Vocês precisam de vestes duradouras, que possam cobrir vossa nudez, livrando-vos da condenação. Se vocês quiserem, Eu posso dar-lhes essa veste. Ante as palavras bondosas do Criador, que traziam esperança, o casal prostrou-se arrependido, despindo-se de suas ilusórias vestes, símbolos de seu fracasso. Almejavam agora as vestes da salvação, prometidas pelo divino Pai. Capitulo V Depois de contemplar Seus filhos que, arrependidos, jaziam a Seus pés, o Eterno tomou-os carinhosamente pelas mãos e os levantou. Alegrava-Se em poder revelar ao homem caído o plano da redenção. Com ternura, Deus passou a descerrar-lhes primeiramente os amargos resultados de sua queda, dizendo: “Filhos, vocês selaram o destino de toda a criação nas garras da morte. A desarmonia já permeia a natureza, procurando destruir nela todas as virtudes. O abismo no qual vocês imergiram pela desobediência é por demais profundo para que possam ser alcançados pelo meu poderoso braço. Assim, desligado da Fonte da Vida, não resta mais ao ser humano outra sorte além da morte.” Depois de proferir estas palavras que revelavam uma triste sorte, o Eterno convidou o casal a segui-Lo. Cabisbaixos, Adão e Eva, em pranto, seguiram o Criador em Seus passos de justiça, que encaminhavam-nos ao lugar da vergonhosa queda, onde supunham encontrar o doloroso fim. Nessa dolorosa caminhada, soluçaram ao lembrar seu passado de glória desfeito pela ingratidão. Como doía-lhes na alma a terrível expectativa de serem reduzidos, juntamente com a criação, as frias cinzas sob a escuridão daquela noite de pecado! Enquanto caminhavam, contemplavam através das lágrimas as belezas adormecidas banhadas pela luz de Deus. Viam os inocentes animais, que não tinham consciência da grande dor Subitamente, o casal se deteve, vencido por intenso pranto; seus vacilantes passos os haviam levado para junto de um cordeiro, o animalzinho mais querido. Seus olhinhos de meiguice haveriam também de se apagar?! Enxugando-lhes as lágrimas, o Eterno ordenou-lhes tomar nos braços o inocente cordeiro. Envolvendo-o junto ao peito, acompanharam silentes os passos do Criador, até alcançarem o topo do monte Sião, lugar da vergonhosa queda. Contemplando ali os restos dos rubros frutos, com ímpeto lhes veio à mente a lembrança da sentença divina: “No dia em que dela comerdes, certamente morrereis.” O terrível momento chegara. O homem culpado deveria sorver o amargo cálice da morte, sucumbindo sem esperança. Consciente de sua perdição, o casal percebeu, com horror, que as mãos que os trouxeram para a vida empunhavam agora um cutelo pontiagudo de pedra. Trêmulos, prostraram-se e esperaram pelo cumprimento da justa sentença. Enquanto emudecidos pelo medo, Adão e Eva aguardavam o golpe que os reduziria a pó, sentiram o toque macio das mãos divinas que os erguiam para uma nova vida. A condenação, contudo, haveria de recair sobre um substituto. Colocando nas mãos de Adão o cutelo, o Criador lhe disse: - O cordeiro morrerá em lugar de vocês. Adão deveria sacrificá-lo. Assustado ante a ordem de Deus, o casal, em pranto, pôs-se a clamar: - Senhor, o cordeirinho não, ele é inocente! Com expressão de justiça, o Eterno acrescentou: - Se ele não morrer, vocês não poderão ter as vestes das quais falei. Ante a insistência do Criador, Adão, todo tremulo, num esforço doloroso, cravou no peito do cordeirinho aquela aguda pedra. O golpe foi fatal, e o animalzinho, vertendo seu precioso sangue, mergulhou nas trevas de uma noite sem fim. Contemplando o cordeirinho inerte sobre a relva ensanguentada, o casal ergueu a voz e chorou. Começavam a compreender a enormidade de sua tragédia. Quão terrível era a morte! Ela, em seu poder, apagara toda a luz dos olhos do inocente animal. Inclinando-Se silente sobre o corpo inerte do cordeiro, o Eterno tirou-lhe a pele revestida de branca lã e com ela fez túnicas para cobrir a nudez do casal. Após vesti-los perguntou-lhes com carinho: - Vocês entenderam o sentido de tudo isto? Em profunda reflexão, por entre soluços de reconhecimento e gratidão, o casal exclamou: - Ele morreu em nosso lugar, para dar-nos suas vestes! Adão e Eva, embora compreendessem aquela realidade física, estavam longe de entender os ignificado daquele acontecimento. A eles o Criador revelaria o mistério do divino amor. Com expressão de infinita misericórdia, Deus passou a revelar ao ser humano o sentido daquele doloroso sacrifício, dizendo: O inocente cordeirinho, que hoje padeceu, simboliza um homem que haverá de nascer. Em seus olhos haverá a mesma meiguice, o mesmo amor. Revestido por uma vida justa, como a branca lã que cobria o cordeiro, esse homem crescerá como um renovo sobre a Terra, não tendo nas mãos as algemas do pecado. Em sua aparência, esse homem não trará a pompa de um rei, por isso será desprezado por muitos. Será um homem de dores, pois cairá sobre si o peso de todas as provações. Em sua fidelidade ao reino da luz, esse homem lutará contra o inimigo usurpador, vencendo-o finalmente. Após triunfar em suas lutas, tomará sobre si o fardo de vossa condenação que lhe causará uma terrível morte. Ele será traspassado por causa da vossa rebelião e moído pelas vossas iniquidades. Será oprimido e humilhado, mas não abrirá a sua boca, como o cordeirinho que hoje entregou-se pacificamente. Sucumbindo na morte, ele vos concederá os méritos de sua vitória. Envolvidos por suas vestes de justiça, estareis livres da condenação. A vida eterna alcançareis assim, mediante o sacrifício desse homem justo que haverá de nascer. Adão e Eva, que num misto de gratidão e dor ouviram a revelação de tão grande salvação, indagaram reverentes a respeito desse homem especial que em sua descendência haveria de surgir, a fim de cumprir tão imenso sacrifício. O Criador, olhando-os ternamente, movido por um amor que supera mesmo a morte, os envolveu num carinhoso abraço e revelou: - Eu serei esse Homem! Surpresos ante a declaração do Eterno, Adão e Eva ficaram imóveis, enquanto contemplavam o Seu meigo semblante. Compreendendo o significado do tremendo sacrifício, prostraram-se a Seus pés e com lágrimas clamaram: - Nós somos merecedores da morte Senhor, mas Tu és inocente e não deves sofrer em nosso lugar! Enxugando-lhes as lágrimas, o Eterno com ternura lhes falou: - Meus filhos, Eu os amo com um eterno amor. Eu morrerei em lugar de vocês. Ante esta confirmação, o casal ergueu a voz numa lamentação dolorosa. Diziam: - Nós matamos o Criador! Nós matamos o Criador! Mas Deus passou a consolar o casal com palavras de esperança, dizendo: - Após sorver o cálice da eterna morte, Eu retomarei a vida e subirei ao céu. Intercederei ali pelo homem perdido, concedendo a todos aqueles que, arrependidos, aceitarem meu sacrifício, as vestes de minha vitória. Juntos, triunfaremos finalmente sobre o reino do pecado que se desfará em cinzas sob nossos pés. Criarei então um novo Céu e uma nova Terra, onde unicamente a justiça e o amor reinarão. Viveremos assim para sempre, num reino de perfeita harmonia e paz. O Criador, que acompanhado pelo casal permanecia ainda sobre o monte Sião, concluiu Suas revelações dizendo: “O jardim do Éden ficará agora vazio. O ser humano, durante alonga noite de pecado, vagueará em seu exílio. Não andará, contudo, sozinho: o Eterno, também peregrino, trilhará com o homem toda a estrada espinhosa, até poderem juntos galgar o monte perdido, triunfando gloriosamente sobre o reino da morte. A árvore da ciência do bem e do mal monumento da rebeldia será então desfeita, dando lugar a uma árvore gloriosa que, unindo sua copa à árvore da vida, se tornará no arco comemorativo da grande vitória. Sobre o santo monte redimido, repousará então para sempre o torno universal, que pelos fiéis triunfantes será nomeado: o trono de Deus e do Cordeiro.” Adão e sua companheira, após ouvirem palavras tão confortadoras e cheias de esperança, ergueram a voz num cântico de gratidão e louvor. Conheciam agora o infinito amor de seu Criador e estavam dispostos a servi-Lo. Depois de consolar o casal, Deus levou-os para fora do Éden. Não lhes foi fácil se despedir daquele precioso lar; ali haviam despertado para a vida nos braços do Eterno; ali desfrutaram momentos de pura felicidade, em companhia do Criador, dos anjos e dos dóceis animais. Uma saudade infinita parecia envolver o casal em seus passos de abandono. Foi com espanto que Satã e seus súditos presenciaram a intervenção do Eterno. Ficaram abalados ante a surpreendente revelação do plano de resgate. Com raivosa frustração, compreenderam que, sede fato a promessa divina se concretizasse, não restaria nenhuma esperança. Depois de refletir sobretudo o que acontecera, uma grande ira apossou-se de seu coração. Não estava disposto a reconhecera redenção do ser humano. Faria todos os esforços para retê-lo, juntamente com o reino que lhe fora entregue. Quando o casal, acompanhado pelo Criador, alcançou o vale ferido pela morte, amanhecia. Ali Satã os enfrentou com fúria, numa tentativa de se apossar novamente do ser humano. O casal ficou trêmulo em face do inimigo, mas as mãos protetoras de Deus os acalmaram. Expressando no semblante a firmeza de uma justiça que é eterna, o Eterno silenciou as ameaças do inimigo com as seguintes palavras: “O ser humano Me pertence, pois Eu o comprei com o meu sangue”. Ao caminharem silentes junto ao Criador, Adão e Eva observavam com tristeza os sinais da morte estampados naquela natureza antes tão cheia de vida. As belas flores, que haviam desabrochado para exalar aromas eternos, pendiam agora murchas; os passarinhos, que com alegria os saudavam em cada alvorecer com os seus trinos, voavam agora distantes, fazendo soar tão tristes cantos! Tudo estava mudado na natureza. A ciência do bem e do mal não trouxera nenhum bem ao Universo, mas um intenso conflito espiritual e físico. Ante as consequências devastadoras de sua queda, o casal, vencido por uma indizível tristeza, prostrou-se arrependido e chorou amargamente. Deus, que também compungido pela dor contemplava o cenário desolador, procurou, com palavras de esperança, confortá-los. Falou-lhes sobre o novo Céu e a nova Terra que um dia criaria, onde a paz e o amor voltariam a reinar em cada coração. Ali viveriam sempre juntos, não trazendo na fronte as marcas da tristeza, mas coroas de eterna vitória. Ali enxugaria as lágrimas de suas faces e essas jamais voltariam a umedecer os seus olhos. Amparando Adão e Eva em seus passos, o Criador conduziu-os através de um vale ferido, até alcançarem o sopé de uma colina. Galgaram-na em lentos passos, enquanto trocavam palavras de ânimo e esperança. Seus pés alcançaram finalmente a relva macia que cobria o topo espaçoso daquela colina. Era sobre aquele lugar que o casal via a cada dia o sol declinar, banhando o céu e os vales de um vermelho vivo, como o sangue que jorrara do peito do cordeiro. Voltando-se para o lado oriental, o casal, num misto de dor e saudade, contemplou ao longe as paisagens que os envolveram naquele passado tão feliz. Ao divisarem o monte Sião, que majestoso erguia-se no meio do Éden, choraram ao lembrar da queda. Quão fracos tinham sido! O sol declinava em sua jornada, anunciando a chegada de mais uma triste noite - a primeira fora do paraíso. Num calmo gesto, o Eterno, mostrando-lhes o vale sobranceiro à colina, falou-lhes com carinho: “Aqui será vossa provisória morada. Daqui podereis contemplar o paraíso que por algum tempo permanecerá na Terra, até ser recolhido ao seu lugar de origem, no seio da Jerusalém Celeste. Ali, protegido pela justiça, aguardará o alvorecer da vitória. Quando esse grande dia chegar, retornaremos juntos a Sião, onde seremos coroados em glória, num reino de eterna felicidade e paz”. Depois de dizer estas palavras, Deus ordenou ao casal que construísse naquele lugar um altar de pedras, sobre o qual a cada semana, na noite que antecede o sábado, deveriam imolar um cordeiro, pela memória de Seu sacrifício. Como sinal de Sua presença, e para a certeza de que seus pecados seriam perdoados, Ele acenderia um fogo sobre o altar, o qual duraria toda a noite, até consumir por completo a oferta do sacrifício. Para que o ser humano pudesse firmar sua fé sobre as verdades reveladas, e não na manifestação visível da pessoa do Criador, Ele haveria de permanecer invisível daquele momento em diante. Somente em ocasiões especiais, quando se fizesse necessário Sua aparição ou a de anjos para novas revelações e advertências, isto ocorreria. Contemplando os Seus filhos entristecidos naquele momento em que seriam deixados aparentemente sozinhos. O Eterno disse-lhes com amor: “Filhos, embora vocês tenham de permanecer neste ambiente hostil, não precisam temer, pois Eu permanecerei ao lado de vocês. Serei um companheiro amigo nesta jornada; levarei sobre os meus ombros suas dores, seus anseios, suas lutas. Quando, tentados pelo inimigo, estiverem a ponto de ceder, poderão encontrar abrigo em meus braços, que sempre estarão estendidos para salvá-los e, se algum dia vocês não resistirem, e pela fúria do inimigo forem arrastados para as profundezas do abismo, não se desesperem julgando não haver esperança, pois Eu estarei ali para acudi-los com o meu perdão e força. Tenham sempre em mente o significado das vestes recebidas das minhas mãos, pois elas falam da redenção que ao homem pertence. Descansem filhos meus, nos meus braços de amor.” Depois de consolar o casal com estas promessas, o Criador, vendo que estavam sonolentos pelo cansaço, os fez reclinar no Seu colo e, como de costume, acariciou-os docemente até adormecerem. Ao vê-los esquecidos em seu sono, Deus chorou ao prever o sofrimento que experimentariam ao acordar. Com o coração partido pela dor causada pôr aquela separação física, o Criador deixou o casal adormecido sobre a relva, depois de beijar-lhes as faces já marcadas pelo sofrimento. Sua luz dissipou-se ao tornar-Se invisível, dando lugar às trevas daquela primeira noite fora do paraíso. No subconsciente do casal começaram a desfilar sonhos coloridos de um passado feliz. Encontravam-se mais uma vez em meio às belezas do Éden, saciados pôr uma alegria eterna. Agradecidos pela vida, corriam pelos campos floridos, brincando com os animais. Com felicidade uniam as vozes aos anjos nos harmoniosos cânticos em louvor ao Criador. Tantas cenas lindas desfilavam em seu subconsciente, mas esses sonhos tornaram-se pesadelos, fazendo-os reviver sua tragédia. Agonizantes despertaram em meio à escuridão daquela primeira noite no exílio. Não conseguindo conciliar o sono, o casal permaneceu em pranto até ser consolado pelo alvorecer que revelou-lhes ao longe o saudoso paraíso. Deus, ainda que invisível, permanecia ao lado de Adão e Eva ali na colina. O sofrimento deles era o Seu sofrimento, como também a esperança de um dia retornarem vitoriosos a Sião. Ante o olhar contemplativo do Criador, revelava-se o futuro sombrio da humanidade. Com pesar, via incontáveis criaturas perecendo sem salvação, por rejeitarem o Seu amor. Lágrimas molharam a Sua face, ao antever o inimigo empregando toda astúcia a fim de reter os seres humanos sob seu domínio. Longa seria a noite do pecado, e renhida a batalha pela reconquista do reino perdido. O triunfo da luz requereria da parte de Deus um sacrifício imenso. Na pessoa do Messias, a seu tempo, ele nasceria entre os homens, com a missão de pagar o preço do resgate. Por meio dEle muitos seriam libertos das garras do inimigo: todos aqueles que O aceitassem como Salvador e Rei. Contra esses escolhidos, o inimigo arregimentaria todas as forças procurando fazê-los cair. Em sua visão do futuro, o Criador contemplou com alegria o triunfo final dos redimidos. Haviam sido extremamente provados, mas em tudo foram mais do que vencedores por meio dAquele que os redimiu das trevas para o reino da luz. Depois de antever os sofrimentos que adviriam da grande luta, o Eterno estendeu o olhar pelas planícies cativas, contemplando ali as hostes rebeldes dispostas para a luta. O objetivo desses exércitos, era apossar-se novamente do ser humano, no qual estava selado o direito de domínio sobre o Universo. Contrária à natureza do Criador é a guerra, mas para defesa de Seus filhos, estava disposto a empregar o Seu poder. Sua força, contudo, somente seria empregada com justiça. Se o ser humano recusasse essa proteção oferecida mediante o sacrifício do Messias, Deus nada poderia fazer para impedir que o mesmo perecesse nas garras do inimigo. Adão e Eva, contudo, haviam se arrependido de seu grande pecado, recebendo pela misericórdia de Deus vestes de salvação, simbolizadas pelas peles do cordeiro sacrificado. Justificado pela entrega do casal, o Eterno convocou Seus poderosos exércitos para a peleja. Em pronta obediência as hostes da luz irromperam pelo espaço sideral em direção à Terra, circundando qual forte muralha a colina, portadora daquele tesouro redimido pelo sangue do divino Rei. Ao ser humano fora conferido no Éden o dever de cuidar da natureza : preparavam canteiros para as flores; colhiam frutos para mantimento; dirigiam os animais em seu inocente viver, adestrando-os para que lhes fossem úteis. Essas ocupações tinham sido para eles fontes de desenvolvimento e prazer. Agora, apesar das adversidades, deveriam continuar realizando esse dever. O trabalho em si, realizado segundo as ordens do Criador, já anularia muitos ataques do inimigo. As primeiras ocupações do casal naquela manhã, trouxeram-lhes revelações do grande amor de Deus, até então desconhecidas. Ao reunirem as pedras para construção do altar, experimentaram a dor de feridas que jorram sangue, como também a fadiga que faz minar suor. Sentindo e contemplando tudo na própria carne, amaram mais o Salvador, para quem o altar construído prefigurava feridas maiores, que verteriam todo o Seu sangue, como também fadigas que minariam toda a seiva de Sua vida. O olhar de saudade e de esperança do casal de agora em diante, jamais pousaria no Éden distante, sem discernir primeiro o altar dos sacrifícios. Esse altar, com suas manchas de suor e sangue, permaneceria como uma lembrança da dor e do sofrimento que, depois de umedecer os lábios dos seres humanos, transbordaria na taça do Criador. Após contemplar pôr longo tempo o paraíso da eterna vida que estendia-se muito além daquele altar escuro de morte, o casal experimentou o doce alívio do descanso. Desejosos de conhecer as paisagens de seu novo lar, Adão e Eva, animados pela esperança, saíram a passear. Seus passos conduziram-nos por caminhos de sorrisos e de lágrimas; de encantos e desilusões; de flores que desabrochavam delicadas, banhadas em perfume, e de flores despetaladas, tombadas murchas e sem cheiro; de animais ainda dóceis e submissos e de animais inimigos, ferozes e ameaçadores. O casal discernia em seu passeio as divisas de dois mundos: o da luz e o das trevas; do amor e do egoísmo; da esperança e do desespero; da harmonia e da desarmonia; da vida e da morte. Essa visão encheu-lhes de tristeza e choraram longamente. Essa tristeza aumentaria ainda mais no futuro, quando descobrissem o aprofundamento dessas divisas no seio de sua descendência. Seis arrebóis já haviam colorido os céus anunciando ao casal as noites escuras e frias que com seu manto de trevas desfazia todas as imagens vivas, menos a esperança de revê-las coloridas no alvorecer de luz. Aproximava-se agora a hora do sacrifício, quando o rude altar, abrasado em sua justiça clamaria pôr sangue. Se não lhe oferecessem a oferta, explodiria com certeza, envolvendo todo o mundo com suas chamas; Já não haveria então alvorecer, nem esperança de Éden a florir. Quão precioso é o sangue! Sangue é vida; vida é luz! Para um ser aquela noite tornar-se-ia eterna, sem alvorecer! Esse ser deveria assumir a culpa de todo o mundo, dando o seu sangue ao rude altar. Quem se ofereceria? Quem verteria a seiva da vida, até ver a última estrela apagar-se em seu céu?! Adão e Eva depois de refletirem por longo tempo, contemplando o berço da morte construído pôr suas mãos, entreolharam-se inquietos com essa questão decisiva: Quem se oferecerá? Essa indagação nascida de sua culpa, fez vibrar no profundo de suas lembranças a voz do bendito Criador em Sua revelação de infinita bondade: - Eu os amo com um eterno amor; Eu morrerei em vosso lugar”. Agradecido, o casal prostrou-se reverentemente ante o sedento altar, vendo-o pela fé, saciado pelo dom do eterno amor. Naquela tarde de sexta-feira, Deus submetia o ser humano a uma tremenda prova de fé. Eles tinham diante de si o altar de pedras, construído conforme a ordem divina, mas não havia nenhuma ovelha para o sacrifício. Em seu anseio, lembravam-se do Éden, onde havia muitos rebanhos. Ao verem o sol tombar no horizonte, Adão e Eva passaram a clamar a Deus por socorro, pois sabiam que somente um milagre poderia providenciar-lhes, naquele derradeiro momento, um cordeiro para o sacrifício. Aos olhos dos habitantes do Universo, o grande milagre pelo qual o ser humano clamava, já se processava à quase uma semana: Guiado pelo Criador, um imaculado cordeiro deixara o Éden e seguira os rastros do casal em sua caminhada para o exílio. Em sua longa jornada, esse animalzinho teve de enfrentar muitos desafios e perigos, mas protegido e guiado pelo Eterno prosseguia em sua missão. Quando as sombras do anoitecer começaram a envolver a colina, o casal que vivia tão dura prova de fé, discerniu um pontinho branco que saltitava no gramado vindo em direção deles. À medida em que se aproximava, aquele vulto parecia falar de esperança, de vida e calor. Ao verem que o grande milagre acontecera, correram ao encontro do cordeiro, envolvendo-o nos braços. Ele estava fatigado, mas não descansaria: daria descanso. Estava sedento, mas não beberia: daria de beber ao altar que clamava por sangue. Aquele cordeiro tinha vontade de viver nos braços do homem, mas morreria, para que esse pudesse viver nos braços de Deus. Era um perfeito simbolismo do Redentor que deixaria Sua glória, vindo em busca do pecador. As trevas de mais uma noite préfigurativa baixaram lentamente envolvendo toda a natureza em sua prisão. Sua força, porém, seria quebrada diante do ser humano, pelo brilho de um fogo especial, aceso pelas mãos do divino perdão sobre o corpo sem vida do inocente cordeiro. Tudo estava preparado para o doloroso golpe: ato que apagaria daqueles olhinhos meigos a última estrela de vida, mergulhando-os na fria escuridão de uma eterna noite: escuridão que geraria luz; frio que geraria calor; morte que geraria vida - dons imerecidos; frutos do divino amor oferecidos às mãos pecadores, prestes a ferir. Em meio à silente noite o altar clama; o homem triste exclama, enquanto o cordeiro mudo, não reclama ao ser estendido para a morte. As mãos que construíram o altar erguem-se agora, não para acariciar como outrora, mas para ferir, sangrando o preço do perdão. Só um gesto, nada mais, e a estrela se apagará para sempre dos olhos inocentes, fazendo brilhar na face culpada a luz da salvação. Adão, trêmulo hesita em compaixão. No cordeirinho manso e submisso, pronto a morrer em seu lugar, vê o Salvador prometido. Com o coração arrependido, num esforço doloroso, crava o cutelo de pedra no peito do animalzinho que perece em suas mãos sem sequer dar um gemido. O poder da noite imediatamente é quebrado pelo brilho do fogo da aceitação. Sua luz revela ao ser humano sua trágica condição: Vendo as mãos manchadas pelo sangue inocente, o casal sente-se culpado por aquela morte. Em pranto ajoelham-se ante o altar que já não lhes reclama sangue, mas oferece luz, aceitando o imerecido perdão. Erguendo-se, o casal contempla demoradamente o corpo ferido do pobre cordeirinho, sem poder agradecer-lhe pela riqueza concedida em troca de seu tão rude golpe. Banhados pela suave luz do sacrifício, Adão e sua companheira permanecem silentes a meditar, até serem vencidos por um profundo sono. Recostando-se ao solo coberto de relva macia, adormecem docemente sob os cálidos raios do perdão, certos de que seu brilho e calor perdurariam até serem as trevas daquele sábado desvanecidas completamente pelo fulgurante sol. A luz do cordeiro, desde que fora acesa sobre o altar naquela noite, permanecia em constante guerra com as trevas. Por várias vezes crescia em brilho, afugentando para distante a fria escuridão, banhando a natureza com os seus raios de vida. Por vezes, as trevas trazendo o seu vento frio, quase bania por completo a chama. Essa, todavia, num grande esforço alimentava-se do sangue do cordeiro, lançando ao alto sua ardente chama, inundando de luz e calor tudo aquilo que havia ao redor. O conflito entre a luz nascida do sacrifício e as trevas naquela noite, descerravam aos fiéis do Universo muitas lições importantes - verdades que ocupariam suas mentes por toda a eternidade. Naquela chama, ora ardente em seu brilho, ora fustigada pelos ventos da noite, os fiéis viam uma representação do conflito milenar entre o bem e o mal; conflito que sem trégua se estenderia até o alvorecer eternal. O Eterno, no penhor de Seu futuro sacrifício, acendera em meio das trevas, a luz da verdade, e essa seria mantida acesa no coração do ser humano, em virtude de Seu sangue que seria derramado para remissão da culpa. Contra essa luz, o inimigo arremessaria todos os ventos frios da maldade, banindo do coração de muitos o seu doce brilho. Quantos jazeriam perdidos por recusarem a luz do perdão divino, ficando envoltos pelas trevas da escura noite! Depois de longas horas de combate, surge no céu os sinais do amanhecer. A escuridão que com ira havia lançado seus ventos sobre a imorredoura chama procurando bani-la, torna-se confusa ante os sinais do amanhecer. O céu tingido de um vermelho vivo, faz lembrar o sangue que jorrara do peito do cordeiro para que a chama do perdão pudesse iluminar a noite humana. Em meio ao colorido de sangue, surge no horizonte o fulgurante sol, trazendo em seus aquecidos raios o sabor da vitória, envolvendo tudo com sua vida. O alvorecer em seu saudoso afeto, acaricia o distante paraíso, levando de seu amado seio em sua brisa matinal o aroma da saudade, numa mensagem de consolo e esperança às criaturas sofredoras do vale da morte. Banhados pelos cálidos raios e pela brisa da esperança, o casal desperta em mais um sábado, cujo simbolismo aponta para o descanso no reino de Deus, ao culminar o grande conflito entre a luz e as trevas. Para além daquele altar coberto de cinzas, Adão e Eva contemplam demoradamente o saudoso paraíso. Ainda que distantes em seu exílio, alegram-se com a certeza deque o sacrifício do Messias fará raiar para eles o sábado dos sábados: aquele de lágrimas para sempre banidas; de sol sempre a brilhar num límpido céu; de cordeiros sempre vivos a brincar pelo gramado; dia sem anoitecer, quando não haverá mais altar coberto de sangue e cinzas. Suspiram por esse dia de glória, quando Deus Se fará eternamente visível, levando nas mãos as marcas de Seu infinito amor pelos Seus filhos. Antes da queda, o ser humano, assim como a todas as hostes celestiais, aprendia aos pés do Criador que com paciência ensinava-lhes os tesouros da sabedoria contidos no vasto compêndio da natureza. Tudo no Universo, desde o ínfimo átomo ao maior dos mundos, testificava em sua perfeita existência do caráter do divino Rei. Muitos ensinamentos, porém, permaneceram ocultos nas páginas desse grande livro no período que antecedeu à queda: Eram como as estrelas que, ocultas durante o dia, revelam seu brilho ao baixarem as sombras da noite. Tendo a natureza cativa, o inimigo, no intento de bloquear a revelação da Eterna Sabedoria, introduziu nela borrões de egoísmo, destruição, infelicidade e morte. Não sabia que esses borrões fariam evidenciar na face da criação a profundidade da justiça e amor de Deus, levando os fiéis a amá-Lo e reverenciá-Lo ainda mais. Para o casal, assim como para todos os filhos da luz, a natureza ferida rompeu o seu véu, revelando novos aspectos da bondade do Criador ocultos até então. Adão e Eva que estavam acostumados às flores eternas no paraíso, aquelas que não as viram desabrochar, viam-nas agora surgirem em tenros botões, em meio às ameaças de espinhos prontos a ferirem. Essas tenras flores, sem importarem-se com os espinhos, exalavam perfumes suaves de louvor e gratidão, jamais se cansando de agradar o ambiente. Quando fustigada pelos ventos frios da noite, essas flores não se ressentiam, mas ofereciam seu aroma, que transformava a fúria dos ventos em brisas perfumadas de um alvorecer. Movidos por profunda gratidão, o casal acompanhava atentamente o ministério de amor daquelas flores que, jamais se cansavam de abençoar, oferecendo sua beleza e perfume como alívio para aqueles que eram feridos pelos rudes espinhos. Aquelas flores singelas e puras, depois de mostrar em sua curta vida que o perdão e o amor são mais fortes que todos os ventos e espinhos, num último esforço de comunicar alegria, exalavam seu perfume, tombando murchas e sem vida sobre o solo frio. Ali, esquecidas, transformavam-se em insignificante pó que era espalhado pelo vento. A morte das flores, ainda que parecesse fracasso, revelou ao casal o mistério do renascimento da vida: Morrendo, as flores davam vida aos frutos que, por sua vez, depois de servirem de alimento, doavam suas sementes cheias de vida. Na morte dessas sementes, renascia o milagre da vida, multiplicando as árvores com suas flores prontas a repetir o ensinamento do amor e do sacrifício. A natureza, portanto, embora maculada pelo pecado, revelava o mistério oculto do plano da redenção. Cada flor a desabrochar em meio aos espinhos, em sua curta vida de amor, era um símbolo do Salvador que nasceria entre os espinhos da maldade, para com o seu perfume consolar o coração dos aflitos. Semelhante à flor, o Messias depois de provar que o amor e o perdão são mais fortes que todos os ventos do ódio; que a verdade e a justiça do reino de Deus são maiores que todos os enganos e injustiças do reino do inimigo, verteria a seiva de sua vida, morrendo para redimir os culpados. Capitulo VI Consolados pelas revelações da natureza, Adão e sua companheira, alunos na escola do sofrimento, aprendiam a cada dia a amar mais o Salvador. Cresciam em sabedoria, humildade e santidade. Todas as virtudes destruídas pelo pecado, renasciam no coração. Com ânimo o casal dedicava-se ao labor edificante: plantavam jardins que pelo poder de Deus enchiam-se de perfumadas flores e deliciosos frutos. Seu lar no exílio tornava-se num refúgio para os animais perseguidos dos vales. A colina, soba proteção dos anjos da luz, tornou-se numa miniatura do Éden distante. Entre os animais reunidos e domados com amor, haviam muitas ovelhas. Adão e Eva não conseguiam pousar os olhos sobre esses dóceis animais destinados ao sacrifício, sem provar no profundo da alma um misto de dor e gratidão. Na noite que antecedia cada sábado, Adão tinha, por ordem do Criador, de repetir o doloroso ato. Quanta amargura e arrependimento sobrevinham ao casal ao baixarem as trevas da noite do sacrifício! Quanto consolo lhes trazia a chama do perdão que jamais deixara de brilhar sobre o altar, naquelas noites préfigurativas! O decisivo valor do sacrifício, para que a vida pudesse florescer sob a proteção divina, levou o casal a valorizar imensamente o seu pequeno rebanho. Cada sexta-feira, contudo, passou a trazer consigo, além da dor, uma inquietação: - Quem doará seu sangue ao altar quando a última ovelha perecer? Aos olhos do casal maravilhado, aconteceu enfim o milagre do amor, renovando-lhes a esperança de viverem outras semanas sob o brilho da chama do perdão: uma ovelha, a mais gorda delas, passou a sangrar como em sacrifício; De sua dor, nasceram-lhes quatro cordeirinhos. Cheios de alegria e gratidão, Adão e Eva prostraram-se ante o Salvador invisível, tendo nas mãos aquelas novas criaturinhas que traziam em seus olhos a mesma meiguice e disposição para o sacrifício. Seguros de que novos milagres multiplicariam seus dias, o casal uniu sua voz como outrora, num cântico de gratidão e adoração ao Criador que, como os cordeirinhos nasceria também da dor para cumprir em sua vida o maior de todos os sacrifícios, para salvação da humanidade. O Eterno, embora invisível aos olhos de Seus filhos humanos, permanecia bem próximo, acompanhado por um exército de anjos, em incansável ministério de cuidado e proteção. O casal estava inconsciente de que a doce calma e paz reinantes naquela colina, bem como toda a sua prosperidade, eram frutos de tão intensa luta. Se os seus olhos fossem abertos para as cenas que ocorriam invisíveis, ficariam tomados de espanto; Quão terrível era o inimigo e suas hostes em suas constantes investidas com o propósito de arruinar o ser humano, arrebatando-o das mãos do Criador. Vendo que o emprego da força não lhe redundaria em vitória, o inimigo em sua astúcia idealizou uma armadilha com a qual poderia enlaçar o casal. Reunindo os seus exércitos, revelou-lhes seus planos dizendo: - Ao ser humano foi ordenado sacrificar cordeiros, como símbolos do Salvador vindouro. Os tentaremos a olhar para esses símbolos como portadores de perdão e vida, fazendo-os aos poucos esquecer a realidade do sacrifício prometido por Deus. Será um processo lento, mas de segura vitória”. O Criador conhecendo o perigo dessa armadilha, entristeceu-se, pois ao olhar para o futuro, pode ver tantos filhos Seus sendo desviados do caminho da salvação. Quantos se apegariam aos símbolos julgando encontrar neles virtude! Deus em seu amor e cuidado, não os deixaria inconscientes do perigo que os ameaçava. Sabia o quanto Adão e sua companheira amavam aqueles cordeiros que, ao morrerem sobre o altar, ofereciam-lhes luz e calor. Facilmente poderiam ser induzidos a vê-los como fontes de vida e luz, passando a reverenciá-los. Muitas semanas já haviam passado, trazendo consigo as noites de dor e sacrifício, seguidas pelos dias de esperança e saudade dAquele Pai carinhoso, o qual depois de fazer-lhes promessas e enxugar suas lágrimas, tornara-Se invisível diante de seus olhos. Cada dia que passava, trazia para o casal novo fardo de saudade, fazendo-os indagar a cada entardecer: - Quando beijaremos novamente Sua face? Quando seremos envolvidos por Seus braços, caminhando sob a luz de Seu amor?! Quanta saudade sentiam daquelas noites edênicas, quando adormeciam no colo macio de seu divino Pai! Mais uma semana de trabalho e lições aprendidas estava findando. O sol em seu declinar anunciava outra noite de arrependimento e de sangue inocente a banhar o altar. O silente casal estava longe de imaginar que naquela noite, o doloroso golpe que sempre era seguido pelo fogo, revelaria-lhes a face bendita do Pai. Com as mãos trêmulas, Adão ergue o cordeiro que, mudo, não faz nenhuma resistência ao ser deposto sobre o altar. Lágrimas rolam em seu rosto ao pensar que mais um inocente animal mergulhará nas o dia das trevas da morte, para com seu sangue gerar a luz. É doloroso sacrificar, mas não há outro caminho de salvação. Unicamente através do sangue derramado do cordeiro, poderão viver para contemplar no futuro a face do Pai. Num penoso esforço Adão faz cair aquela pedra pontuda sobre o cordeirinho que, num gemido de dor derrama o seu sangue. Uma Luz gloriosa logo bane as trevas inundando toda a colina com seus raios de vida. Através das lágrimas o casal então contempla em meio ao fogo do altar, o Criador. Num gesto de amor, Deus abre os Seus braços como outrora, e com um sorriso caminha para o tão almejado abraço. Sem encontrar palavras que expressem sua imensa saudade, o casal lança-se ao Seu peito e chora amargamente. O divino Pai, comovido, também chora, mas procura consolar seus filhos, com seu doce sorriso. Com emoção o casal contempla a face do Pai, envolvendo-a com beijos e carinhos. O amor deles por Ele fora intensificado pelo sofrimento. Gratos e felizes, caminham ao lado do Criador, mostrando-lhe os jardins carregados de flores e frutos. Contam-lhe das lições aprendidas junto à natureza; mostram-Lhe o rebanho domado pelo afeto. Iluminados pela suave luz do Eterno Pai, o casal assenta-se aos Seus pés como outrora, para ouvir Seus ensinamentos. O Criador, olhando-os com ternura, passa a adverti-los do perigo. Orienta-os a respeito dos sacrifícios de cordeiros, que eram importantes no sentido de manterem sempre em mente a certeza de um Salvador vindouro que, como os cordeiros, seria sacrificado para redenção dos pecadores. Os cordeiros, contudo, não possuíam em si poder para perdoar as culpas, pois consistiam apenas símbolos do Messias Rei. Depois de serem conscientizados do perigo de apegarem-se aos símbolos buscando encontrar neles a salvação, o casal recebeu a incumbência de transmitir essas orientações aos seus descendentes. Depois de advertir o ser humano, o Criador pousando o olhar sobre as ovelhas que jaziam adormecidas junto aos seus filhotinhos, exclamou: -Como são belos os cordeirinhos! O casal, num misto de felicidade e dor acrescentou:- Eles quando acordados saltam de prazer, esquecidos de que ao nascerem e ao morrerem causam tanta dor! Depois de contemplar os cordeirinhos, Deus fitou o casal com ternura, revelando-lhes algo que os surpreendeu e alegrou: - Quando desses cordeiros trinta e seis houverem subido ao altar, os vossos braços envolverão o primeiro filho que, como eles surgirá também da dor. Esse filho em sua infância lhes trará alegria saltando como os cordeirinhos em vosso lar. Devereis instruí-lo com dedicação nas leis da harmonia, mostrando-lhes o caminho da redenção. Como vocês, ele será livre para escolher o rumo a seguir. Aceitando o ensinamento, sua vida será vitoriosa; rejeitando-o, caminhará para a derrota. Adão e Eva ouviram com alegria a promessa divina, mas ao mesmo tempo experimentaram no profundo do ser um temor ao conscientizar-se da responsabilidade que teriam. Sabiam que Satã faria todos os esforços para levar a criança prometida à perdição. Era noite alta quando o Criador, depois de acariciar seus filhos, os deixou adormecidos sobre o gramado macio. Depois da promessa, cada cordeirinho levado ao altar fazia pulsar mais forte no ventre materno a esperança da alegria que em breve alcançariam. Trinta e seis finalmente baixaram às trevas cumprindo o tempo determinado pelo Criador em que a primeira criança receberia a luz. Com as mãos ainda manchadas pelo sangue do sacrifício, Adão amparou sua esposa que, aos pés do altar prostrou-se vencida pela dor que lhe trouxe o primeiro filho. A pequena criança não trazia na face a alegria da liberdade, mas o choro de sua prisão; Esse pranto duraria a noite inteira, não fosse o brilho daquela chama aquecida de esperança que, logo atraiu a atenção de seus olhinhos atentos. Envolvendo-o com alegria, Eva consolada de seu sofrimento, disse: “Alcancei do Senhor a promessa”. Deu-lhe então o nome de Caim. Depois de envolver o filhinho com as peles macias de um cordeiro, o casal permaneceu acordado a meditar. Muitos eram os pensamentos que ocupavam suas mentes: pensamentos de alegria, de gratidão, de esperança e de anseio pelo senso da responsabilidade que agora pesava sobre seus ombros. Acariciando com ternura a pequena criança, o casal amadureceu em sua experiência, compreendendo melhor o misterioso amor de Deus que, para salvar Seus filhos, dispôs-Se a morrerem lugar deles. Adão e Eva não estavam sozinhos em suas reflexões: todos os seres inteligentes do Universo consideravam com interesse sobre o futuro daquele indefeso bebê que no íntimo trazia um reino de dimensões infinitas, a ser disputado pelos dois poderes em luta. Quem seria o Senhor de sua vida?! Trilhariam os seus pés o caminho ascendente que leva à vida, ou a estrada descendente que termina no abismo de uma eterna morte?! Vendo a criança esboçar o seu primeiro sorriso, o casal subitamente lembrou-se da promessa do Criador que era confirmada em cada sacrifício : Ele nasceria da mulher como criança, com a missão de redimir a humanidade. Não seria Caim já o cumprimento da promessa? O infante com seus olhinhos brilhantes de alegria se parecia tanto com os cordeirinhos que nasciam e cresciam com a missão de serem sacrificados! Considerando assim, o casal apertando o filhinho junto ao peito começou a chorar sem consolo. Quão terrível, seria oferecer seu filhinho inocente ao rude altar! Para o casal compungido pela dor, surgiu em fim o brilhante sol fazendo reviver com seus cálidos raios as promessas que apontavam para um Salvador que, ainda no futuro, nasceria também da dor para cumprir o eterno plano de redenção. Abençoada pelo Criador e envolvida pelo amor e cuidado dos pais, a criança se desenvolvia em sua natureza física e mental, tornando-se a cada dia alvo maior de uma incansável batalha entre as hostes espirituais. Adão e Eva, ansiosos por fazê-lo compreender as verdades da salvação, tomavam-no nos braços a cada alvorecer e, à beira do altar lhe apontavam o Éden distante, contando aquelas histórias de emoção as quais o pequeno Caim ainda não conseguia compreender. Qual foi a alegria daqueles pais, ao vê-lo numa manhã de sol, apontar com a mãozinha para o lar da saudade, pronunciando o nome sagrado do Criador. Emocionados tomaram-no nos braços, pedindo-o para repetir esse sublime nome que, qual chave de felicidade, sempre descerrava-lhes um paraíso de eterno amor. Todas as hostes da luz inclinaram-se com alegria ao ouvir a pequena criança pronunciar o nome do divino Rei. As semanas iam se passando trazendo consigo novas vítimas para o altar, e o pequeno Caim, alvo da atenção e cuidado de Deus, das hostes da luz e daqueles amantes pais incansáveis na missão de instruí-lo, agrupando suas poucas palavras, sempre curiosos com tudo passou a interrogar. O dia declinava quando o menino, que jazia ao colo de sua mãe, perguntou-lhe: - Mamãe, por que o sol sempre vai-se embora, deixando a gente no frio da escuridão?” Eva, surpresa contemplou seu filho, sem encontrar palavras para responder-lhe a indagação que trouxe-lhe à lembrança o passado de felicidade destruído por sua culpa. Após um momento de silêncio, beijando a face do pequeno Caim, disse-lhe: - Filhinho, um dia o sol virá para ficar, trazendo em seus raios um mundo só de harmonia; já não haverá animaizinhos a brigar, nem cordeirinhos a morrerem sobre o altar” O pequeno Caim desejando ver raiar logo esse dia, disse para sua mãe: - Mamãe, amanhã o sol nascerá no paraíso; Pede para ele ficar! Assim poderei brincar, brincar, e nunca mais dormir”. Ansioso em ver raiar o dia que não teria fim, o pequenino Caim somente adormeceu após fazer sua mãe prometer que pediria ao sol para permanecer. Um novo dia de sol radiante a caminhar pelo céu surgiu para Caim, trazendo em seus raios alegria e calor. Enquanto brincava no jardim, seus olhinhos curiosos voltavam-se muitas vezes para o sol que parecia acariciá-lo com um sorriso de esperança. Vendo-o, porém, caminhar em direção do ocidente, o pequeno correu para sua mãe, perguntando-lhe: -Mamãe, ele prometeu ficar?” Eva, tomando-o nos braços, sorriu-lhe procurando fazê-lo compreender com palavras simples, enquanto apontava-lhe o paraíso distante, a história da redenção. O sol viria um dia para ficar. Caim, insatisfeito com as palavras da mãe, demonstrou não ter paciência para aguardar esse dia que jazia em distante futuro. Repetia em pranto: - “Eu quero o sol hoje , amanhã não!” Eva, pacientemente, procurou acalmar seu filho, falando sobre a luz de Deus, que pode tornar a noite em dia. Ele o amava e poderia encher seu coraçãozinho de brilho, de alegria e paciência. Poderia assim, aguardar feliz o dia de seus sonhos. Balançando a cabecinha em rejeição ao consolo da mãe, Caim proferiu entre soluços: -“Eu quero o sol porque eu posso vê-lo, ao Eterno não”. Como uma seta dolorosa as palavras de rebeldia de Caim penetraram no coração de Eva, fazendo-a chorar amargamente. Os fiéis em todo o Universo uniram-se nesse pranto. Uma tristeza infinita pairava sobre o coração do Criador rejeitado. Esboçavam-se nos gestos de Caim os primeiros passos pelo caminho descendente da rebeldia. Quantos o seguiriam rumo à morte! Inconsciente da tristeza que abatera-se sobre o reino da luz, Adão, ao ver o sol declinar no horizonte, deixou seu trabalho no campo rumando-se para casa. Tinha um cântico no coração ao caminhar para mais um encontro com os seus. Ao aproximar-se do altar, viu junto dele sua companheira prostrada em pranto. O pequeno Caim jazia também ali a chorar. Tomando-o nos braços, Adão perguntou-lhe com anseio: -“O que aconteceu meu filho?” Caim tristemente respondeu: -“Mamãe deixou o sol ir embora” Amparando o filho com seu braço esquerdo, Adão pousou sua mão direita sobre o ombro de Eva, mas não encontrou palavras para consolá-la. A frase dita por seu filhinho, pareceu rasgar-lhe o coração, fazendo-o reviver a queda. Depois de refletir, Adão sentindo-se culpado respondeu para Caim: -“Foi o papai quem deixou o sol ir embora meu filho!”. Com soluços de grande tristeza, Adão uniu-se a eles no pranto. A lembrança do Salvador, contudo, o consolou. Enxugando suas lágrimas e as de seu filhinho, disse-lhe com ternura: -“Podemos nos alegrar filhinho, pois Deus prometeu fazer o sol para sempre brilhar no céu; ele será como o fogo que surge no altar, banindo as trevas da noite”. Com os olhinhos voltados para o último clarão do arrebol, Caim permaneceu sem consolo. Naquele entardecer, não houve como de costume um alegre jantar. A pequena família, entristecida, permaneceu silente a meditar por longas horas, até sonolentos adormecerem sob a luz das estrelas. O inimigo e suas hostes, em sarcasmo de maldade zombaram naquela noite do sofrimento de Deus e Seus fiéis. Repetindo as palavras de rebeldia do pequeno Caim, ufanava-se como vencedor. Num desafio ao Criador pronunciou : - Veja como esse meu pequeno escravo te rejeita! O mesmo se dará com todos aqueles que hão de nascer. Estou certo de que o direito de domínio jamais sairá de minhas mãos. Todas as hostes rebeldes repetiram em eco as afrontas do enganador, humilhando os súditos da luz que sofriam do lado do Eterno. Com suas afrontas, o inimigo procurava fazer Deus desistir de Seu plano de redenção. Se isso acontecesse, seu reino de trevas se estenderia por toda a eternidade , suplantando o domínio da luz. Em resposta ao desafio do inimigo, o Eterno afirmou solenemente : - Ainda que todos me rejeitem , Eu cumprirei a promessa. O Criador não suportava o pensamento de ver o pequeno Caim caminhar para a perdição. Por ele intercedia a cada dia, oferecendo ante a justiça o Seu sangue que verteria. Anjos poderosos guardavam-no a cada momento, espancando as trevas espirituais que o acercavam procurando torná-lo insensível aos benefícios da salvação, que eram ilustrados pelos símbolos. Adão e Eva em seu incansável ministério de amor, todos os dias ensinavam a Caim as lições espirituais ilustradas na natureza. Em cada sábado procuravam firmar em sua mente juvenil a esperança de uma vida eterna, que seria fruto do sacrifício do Salvador. Ele depois de viver uma vida sem pecado, morreria como um cordeiro , para poder expulsar para sempre as trevas. Caim comovia-se às vezes com os ensinamentos , mas quase sempre questionava vacilante. Revoltado perguntava: - Por que Samael foi se rebelar?! Certa noite, recusando ouvir os conselhos de seus pais, os acusou de todo o maldizendo: - Se agora não temos um sol a brilhar, é por culpa de vocês.” A contemplação do Éden distante banhado em sol fez nascer no coração juvenil de Caim pensamentos de aventura. Ele começou a pensar : “Este paraíso não está tão longe como afirmam papai e mamãe. Por que esperar e sofrer tanto tempo?! Ele é tão belo! É dele que surge todos os dias o sol! Se o conquistarmos, será fácil deter a luz em sua nascente; Assim viveremos num paraíso de eterno sol. As idéias de aventura de Caim, enchiam o coração de Adão e Eva de tristeza. Viam que seu interesse era somente pelo tempo presente; ele sonhava com um paraíso de felicidade e luz conquistado por sua força. Em seus planos, não sentia necessidade de um Salvador; - Para que, se era tão jovem, inteligente , cheio devida e ideais?- dizia. Os dias de lutas, intercessões e sacrifícios pelo destino de Caim foram se passando. Oportunidades preciosas surgiam em cada dia diante dele para se apegar ao Salvador, mas a todas rejeitava, uma por uma. Em sua incredulidade chegou a duvidar da existência desse Deus, o qual jamais vira. Aos pais que, aflitos mas sempre com paciência, procuravam livrá-lo da perdição para a qual estava caminhando, prometeu um dia , após sorrir com ar de incredulidade, crer no Criador e em Seu plano de salvação, caso Ele se tornasse visível na hora do sacrifício. Com ardente fé, aqueles pais passaram a clamar ao Eterno. Sua presença visível poderia, quem sabe, salvar aquele filho querido que a cada dia tornava-se mais rebelde. O Criador ouviu o clamor dos pais aflitos. Embora soubesse que Sua aparição dificilmente quebraria no coração do jovem Caim seu espírito rebelde, estava disposto a cumprir o pedido. Estenderia os braços amigos a Caim, procurando com amor conquistar-lhe o coração. Como conhecia os seus anseios e sonhos de aventura, facilmente poderia identificar-Se com ele, cativando-o, pois era também Alguém que sempre carregara no peito sonhos de aventura; Não fora a criação do Universo uma grande aventura?! Não fora o Seu sonho vê-lo cravejado de sóis fulgurantes, iluminando bilhões de mundos com o seu brilho?! Não era também o Seu maior atravessar o vale da morte, em busca da conquista do Éden distante, prendendo para sempre o Sol em seu céu?! Tinham muita coisa em comum! Caim estava curioso naquela sexta-feira. Na face dos pais, via ânimo e alegria, frutos de uma fé grandiosa. Incentivado por essa expressão de confiança, o jovem passou a ajudá-los nos preparativos para o santo sábado. O Sol finalmente esquivou-se rolando para o poente, deixando como de costume seu rastro de saudade que anunciava medo. Em meio às trevas, Caim discerniu o vulto branco do cordeiro sendo erguido para o altar pelas mãos do pai - esse incansável sacerdote que sempre estava implorando ao Criador pela salvação de seu amado filho. Com a mão erguida, Adão preparava-se para o golpe que poderia, quem sabe, quebrar no coração de Caim sua incredulidade, fazendo nascer num só momento a crença na salvação. De seus lábios escapa-se então a prece da fé: - Pai Eterno, ouve o meu pedido; Meu filho precisa de Ti! Somente um olhar Teu poderá conquistá-lo. Venha Senhor!! Esta oração sincera caiu nos ouvidos daquele filho comovendo-o. Somente a prece já seria suficiente para convencê-lo da existência real de um Salvador. Enquanto enxuga as lágrimas da emoção, Caim estremece ao ouvir o ruído do golpe da morte. Tudo era solene naquele momento; Viria o Criador do mundo em resposta à oração do amor?! Como O encararia em sua incredulidade?! Um forte brilho envolveu logo toda a colina banhando também o vale oriental .Os olhos arregalados de Caim pousaram então nos olhos amáveis do Criador, que trazia na face um brilho superior ao do sol, mas não ofuscante. Contemplando-O com admiração, Caim exclamou: - Ele é jovem como eu, e se parece com o Sol! Adão e Eva, comovidos pela grande saudade tinham vontade de saltar ao peito do Salvador e beijá-Lo, mas deixaram que Ele Se encontrasse primeiro com Caim. Com alegria , viram o precioso filho envolvido nos braços do grande amigo, que era parecido com o seu astro. Depois delongo abraço, Deus abraçou e beijou também o querido casal, companheiros no sofrimento. Com alegria, saíram a passear pelos jardins da colina. Ao centro iam o Criador e Caim, ladeados por Adão e sua companheira. Quanta felicidade experimentavam nesses passos! Estavam completos. Caim, conquistado pela afeição do Pai Eterno, mostrou-Lhe seus animais de estimação e seu pequeno jardim carregado de lindas flores. Como estava encantado por vê-los coloridos naquela noite desfeita pelo brilho do Criador, como sob a luz do dia! Parecia até mesmo que o Sol baixara a eles. Ao pensar no Sol, Caim como o amava muito, passou a falar sobre ele dizendo: - Como ele é belo e bom! Quando ele vai-se embora, deixa em suas lágrimas de sangue um sentimento de tristeza e temor. Tudo desaparece em sua ausência : os animais, o jardim; até os passarinhos silenciam os seus cantos! …Mas basta ele dizer que vai aparecer, tudo se enche de encanto; A natureza se desperta de mansinho, parecendo ainda temer as trevas, mas quando as vê fugir , fica alerta e canta; Os animais, os passarinhos, o jardim,… tudo volta a viver feliz! Mas, esta felicidade sempre acaba!!! Após falar estas palavras, Caim fitando o Criador indagou curioso: - Papai sempre diz que foi você quem criou o Sol. É verdade? Com um sorriso de sinceridade Deus respondeu-lhe que sim. - Quando Você o fez no princípio, continuou Caim, ele já fugia para o poente? - Ele nunca foge, respondeu o Eterno, é o mundo quem foge dele. Ele fica triste com essa ingratidão! —Mas como? Perguntou Caim, contemplando curioso Sua face de luz . Com palavras carinhosas, Deus passou a contar-lhe a história de Lúcifer que, em sua ingratidão baniu de seus olhos e dos olhos de uma multidão de criaturas, o brilho de Sua face - o Verdadeiro Sol. Depois de assim agir, iludiu a muitos dizendo que foi o Sol quem fugiu deles. Com sua astúcia, continuou o Criador, o anjo rebelde procurou arrastar o ser humano para as trevas, e conseguiu. O Sol naquele dia, chorou tantas lágrimas de sangue, que banhou todo o céu. Em seu último suspiro de luz, porém, ele prometeu ao mundo já tomado pelas trevas, voltar um dia a brilhar para sempre, enchendo todo o seu seio de vida. Após falar-lhe estas palavras, o Eterno fitando aquele jovem, com expressão de tristeza nos olhos concluiu dizendo: -Hoje, o anjo rebelde promete a seus seguidores que irá com sua força deter o sol, mas ele jamais conseguirá realizar esse plano, pois não possui o laço que poderá detê-lo : o amor. Cabisbaixo, Caim ouviu dos lábios do Criador essa história de promessas, a qual já se cansara de ouvir de seus pais. Essa história não lhe dava prazer, pois mostrava uma noite longa de sacrifícios sobre o altar, e de um Salvador a perecer em dor. Em realidade, Caim não via razões para tudo isso. Por que não banir logo o sofrimento colorindo as trevas de luz?! Num esforço para conquistá-lo, o Eterno com muito amor fitou aquele jovem insatisfeito, e disse-lhe que, somente o sangue de Seu sacrifício poderia fazer o Sol para sempre brilhar, num reino de eterna felicidade e paz. Não havia outro caminho para essa conquista. Por isso, deveria ser paciente, descansando-se sob o Seu cuidado. Após conversar por longo tempo com Caim, na tentativa de fazê-lo reconhecer sua necessidade de salvação, e voltando-Se para o casal, passou a consolá-los com a promessa do nascimento de outro filho. Mais trinta e seis sacrifícios seriam contados, e seus braços envolveriam o segundo filho. Nasceria também da dor, mas traria nos olhos o brilho e o consolo da salvação. O seu testemunho de fidelidade ficaria perpetuado por todas as gerações, no símbolo de um altar coberto de sangue. As semanas iam se passando, trazendo ao casal novas de alegrias e tristezas : de um coração cheio devida a pulsar no ventre de Eva, e de um vazio com cheiro de morte a crescer no coração do jovem Caim. Ainda que ele tenha ficado deslumbrado ante a manifestação de Deus, em nada essa aparição mudou-lhe sua maneira arrogante de pensar sobre o sentido da vida. Ele não via sentido nos sacrifícios oferecidos no altar. Nos dias que seguiram o seu encontro com o Criador, ele argumentava com os seus pais dizendo: - Se eu fosse poderoso como o Eterno, eu jamais me submeteria ao sacrifício para reconquistar o reino perdido. Ele é forte, e brilha como o sol. Ele poderia com uma só palavra expulsar todas as trevas, devolvendo-nos o paraíso. Para que tanto sofrimento?! Com essa argumentação, Caim supunha-se mais sábio que o Criador. Quem sabe, num próximo encontro teria oportunidade de aconselhá-Lo. Dessa forma, o jovem Caim aprofundava-se cada vez mais no abismo do orgulho e do egoísmo - lugar de ilusões para onde se ia, pensando estar caminhando para a vitória. Não fora Lúcifer juntamente com um terço das hostes celestes atraídos por essa mesma ilusão?! O bondoso Deus, todavia, não selaria o destino de Caim sem antes procurar de todas as formas salvá-lo da ruína eterna. Essa graça imerecida, fruto do divino amor, seria concedida a todo o ser humano que viesse a nascer neste mundo. Capitulo VII As trinta e seis semanas anunciadas pelo Criador cumpriram-se, trazendo a noite do santo sábado, na qual subiria ao altar o cordeiro da promessa - aquele que mergulhando nas trevas, faria brilhar nos olhos de Abel o consolo da luz. Semelhante ao cordeiro, Eva sentia naquela noite a dor de dar a luz. Adão, com suas mãos ainda banhadas pelo sangue do sacrifício, envolveu o frágil corpo daquela criança com as peles macias de uma ovelha - vestes que simbolizavam a justiça protetora do Salvador. Contemplando- o acalentado em seus braços, Adão disse-lhe com carinho: “Filhinho, o teu pai é Deus”. Deu-lhe então o nome de Abel. Quando no alvorecer Caim testemunhou a alegria de seus pais pelo nascimento daquele filho, foi possuído por sentimentos de ciúmes e mágoas. Com grande ira disse-lhes que, por sua vida, somente os vira chorar. Seria esse pequeno intruso o único digno de suas alegrias?! Adão e Eva com carinho procuraram mostrar a Caim o quanto o amavam, e que o nascimento de Abel não devia entristecê-lo, mas alegrá-lo pelo privilégio de ter um irmão que lhe seria amigo e companheiro; Poderiam trabalhar unidos na transformação do mundo num paraíso de paz. Abel, envolvido pela graça divina crescia em sua natureza física e mental. Ainda pequeno, passou a entender o significado daqueles sangrentos sacrifícios. O pensamento de que o Criador do Universo haveria de tornar-se uma criança como ele, com a missão de oferecer-se em sacrifício como aqueles inocentes cordeiros, para redenção dos pecadores, emocionava-o até as lágrimas. Como Caim, Abel amava a natureza com seus jardins cheios de flores e frutos; Sentia-se também triste ao ver o sol tombar no horizonte, ferido pela escura noite. Contudo, alimentava-se não de sonhos em aventura, mas de esperança e confiança naquele que semelhante aos cordeiros se entregaria ao altar, para depois de aquecer com a luz de Sua verdade o coração do homem em meio à noite de pecado, surgir como o sol de sábado, trazendo consigo a eterna vitória. O casal, fecundado pelo amor divino, gerou duas meninas que, por sua vez, passaram a ser disputadas na grande batalha espiritual pelo destino do Universo. Conscientes de sua responsabilidade, aqueles pais procuravam imprimir na mente de suas filhas, as eternas verdades do reino da luz. Nesse esforço, eram auxiliados por Abel, para quem o plano da redenção era o tema de suas mais doces meditações; Bastava olhar para um cordeiro, vinha-lhe à mente a doce lembrança da redenção prometida. Foi seu grande amor pelo Criador que levou-o a tornar-se num pastor de ovelhas. A influência de Caim, contudo, era negativa sobre aquelas meninas. Ele vivia falando de seus sonhos de aventura. Apontando para o paraíso distante, berço do sol nascente, prometia conquistá-lo um dia com suas forças. Não haveria mais noites, pois ele deteria o sol antes de sua partida. Em sua conquista, transformaria os vales sombrios em jardins floridos repletos de paz. Inspirado por esse ideal, Caim tornou-se lavrador. Plantava jardins que se carregavam de flores e frutos. Lutava insistentemente contra espinhos e cardos, os quais acreditava poder finalmente bani-los completamente com seus esforço . Pobre Caim, escravo de uma ilusão! Caim tornou-se finalmente em estatura semelhante ao pai. Trazia na face corada as marcas do sol que tanto amava, e em seus músculos a força que julgava necessária para detê-lo antes de sua partida. Movido pelos sonhos alimentados desde a infância, preparava-se agora para uma viagem de aventuras: Desceria ao desconhecido vale e caminharia em direção à casa do sol. Não sabia por quantos dias se ausentaria de seu lar, mas tinha a certeza de que seria vitorioso em sua missão. Cheio de entusiasmo, Caim revelou aos seus familiares sua decisão departir. Todos ficaram preocupados, e procuraram insistentemente fazê-lo desistir de seu plano. No vale, disseram-lhe os pais, habitam animais ferozes, sempre prontos a devorar. Entre risos, Caim procurou convencê-los falando de sua força. Dizia-lhes que em sua jornada, longe de encontrar derrotas, encontraria o caminho perdido que os conduziria à reconquista do sonho desfeito pelo pecado. Abel, conhecedor do verdadeiro caminho que leva à vitória, com lágrimas de compaixão procurou detê-lo, falando-lhe do plano da redenção. Voltando-lhe as costas, Caim saiu contrariado. Irava-se por não encontrar por parte de sua família, nenhum apoio para sua tão nobre missão. Adão e Eva, acompanhados por Abel e as duas filhas, com tristeza seguiram-no implorando para ficar, mas ele adiantando-se em seus passos desceu a colina, mergulhando naquela ameaçadora selva que os separava do paraíso. O entardecer alcançou Caim já distante do lar, naquela floresta perigosa e hostil. As trevas trouxeram ao seu coração temor; Já não era aquele corajoso lutador que prometera vitória em todos os seus passos. Lembrou-se de casa e teve arrependimento da maneira ingrata como havia tratado seus pais naquela manhã. Ali no vale escuro, pela primeira vez ansiou pelo fogo do sacrifício; Contudo, ele jamais acreditara na redenção simbolizada pela morte do cordeiro! Ele cria no poder de sua vida que, aquecida pelo sol, crescia em força e esperança de um dia poder detê-lo sobre um reino de eterna paz e harmonia. No lar, seus pais e irmãos não conseguiam dormir. Tinham vontade de ir em busca do amado Caim, mas onde encontrá-lo? Lembravam dos demônios cruéis que invisíveis infestavam o vale, atormentando os animais que dia após dia iam tornando-se mais ferozes. Em agonia prostraram-se aos pés do Criador invisível e clamaram fervorosamente pela sua proteção. Rogavam-Lhe que o trouxesse de volta para o lar, pois sem ele, tudo era tão triste. O Eterno amava profundamente a Caim e, jamais o deixaria sozinho naquela floresta. Em resposta às preces daquela família aflita, enviou Seus anjos para protegerem-no de todos os perigos. Caim, vencido pelas opressivas trevas da noite que traziam consigo os ventos do temor, tombou irresistente ao solo frio. Ali permaneceu até ter sua coragem e força restabelecidas pela luz do alvorecer. Animado pelo brilho da esperança, continuou seus passos de aventura rumo ao berço do sol : paraíso com o qual sonhara desde sua infância. Seus pés conduziram-no naquele dia através de um vale intensamente marcado pela morte. Com espanto contemplava por todos os lados ossos secos e restos de animais devorados com ferocidade. Aos seus ouvidos atentos, chegavam uivos e gritos de feras ameaçadoras. Embora banhado pelo sol, Caim começou a ficar com medo. Imóvel, lembrou-se do lar, dos conselhos e rogos dos pais; Pensou nas constantes preces que faziam por ele; Estava certo deque não deixariam de clamar por sua segurança ali naquela perigosa floresta, apesar de sua ingratidão. Tomado de espanto, viu finalmente o sol lentamente caminhar para a sua morte diária. Se em sua presença tremia, o que lhe reservaria a escura noite?! Revivendo, contudo, os sonhos que tivera desde a infância, como um soldado que mesmo atingido por um golpe, se levanta num último esforço de vencer, Caim alimentou-se de ânimo; Venceria o medo, e conquistaria toda a selva, banindo dela todos os ossos secos e os sinais de morte. Revigorado pelos ilusórios planos, em passos firmes prosseguiu sua jornada . Pobre Caim! O primeiro de uma multidão que, escravizada pelos mesmos sonhos de progresso, caminharia para dentro da noite, julgando encontrar o berço de toda a luz. Diante dos olhos de Caim que jamais podia imaginar que todo passo que dava o levava para mais longe daquele sol que almejava conquistar, brilhou distante por entre as ramagens uma fulgurante luz. Cheio de curiosidade, apressou os passos, indagando silente : Mas como, se eu o vejo declinar?! Seria outro astro que em seu berço aguardava o momento de partida para aquele suplício diário? Com o coração pulsando forte pela emoção, adiantou-se em seus passos, julgando poder naquele novo dia detê-lo em sua partida; Inauguraria assim um reino de luz, conquistado por sua força. Correndo para a luz, porém, a viu desvanecer quando já próxima; Seria vertigem? Não. Desvanecera simplesmente para revelar-se mais brilhante aos seus olhos. Observando o brilho intenso, Caim ficou perplexo ao ver que procedia da face de um poderoso querubim protetor que, desde a queda de seus pais permanecera ali velando as divisas do Éden. Mudo, Caim contemplava ameiga face daquele anjo que, expressiva de amor, fazia renascer em seu coração emoções da infância. Sentia-se agora esquecido de sua missão, revivendo em lembrança o encontro que tivera com o Criador naquela noite de sacrifício. O querubim era semelhante a Deus, tendo no rosto um brilho de sol. Estampando no semblante preocupação, o anjo depois de contemplá-lo demoradamente perguntou-lhe: - O que busca meu filho? Recordando o seu esquecido ideal, Caim respondeu: - Busco a fonte do dia, o berço do sol.” O anjo continuou perguntando: - O que o leva a procurá-lo com tanto anseio”. Caim respondeu: - Eu sou amante de sua luz que me faz ver em cada dia o fruto do meu labor. Admiro-o desde a minha infância, por isso trago no peito o ideal de um dia detê-lo sobre o céu”. O querubim contemplava-o penalizado, sem saber como convencê-lo daquela ilusão alimentada durante tantos anos. Após um momento de silêncio, o anjo com ar de tristeza, procurando fazê-lo recordar as palavras que o Criador lhe dissera naquele encontro, perguntou: -Com que você irá detê-lo? Confiante, Caim ergueu os braços em resposta. Não construíra enormes jardins com eles?! anjo, num esforço de fazê-lo entender que o sol é um símbolo do Salvador, disse-lhe: - Caim, nada poderá detê-lo a não ser o amor. Quem ama, caminha na mesma direção. Para onde você o vê caminhar todos os dias? Não é para o ocidente? Segue então os seus passos e jamais o verá chorar lágrimas de sangue. Acompanha-o em sua caminhada e verá que o que você sempre chamou de morte, consiste num alegre alvorecer para um continente além, perdido nas trevas.” A afirmação do anjo fez Caim lembrar-se das últimas palavras ditas pelo Eterno naquela noite transformada em dia. Ele dissera que somente o sangue de Seu sacrifício poderia fazer brilhar a luz que triunfaria para sempre sobre as trevas. Contrariado, Caim baixara a cabeça, determinado a não seguí-Lo nessa direção. Abalado, Caim encontrava-se agora diante de uma séria decisão que mudaria o rumo de sua vida e de uma multidão que poderia seguí-Lo. Mudo e a tremer permanecia prostrado aos pés do anjo, enquanto renhida luta travava-se em seu íntimo. Desde a infância alimentara um ideal, caminhando na direção de um paraíso o qual julgava poder conquistar pela força. Agora o anjo apontava-lhe um caminho oposto, de amor e sacrifício: o mesmo ensinado pelos pais e pelo Criador. Arrependido, Caim desejou retornar para casa, mas o inimigo se opunha inspirando-lhe vergonha; Como encararia sua família, a quem prometera vitória pela sua força, ao retornar de mãos vazias?! Com o jovem Caim, prostrado aos seus pés, o anjo com voz de ternura instava: - Filho, volte ao lar! Não há caminho de vitória além do amor. Ele poderá ter espinhos e no trajeto um altar, mas é um caminho seguro, pois sempre leva o viajante aos braços de uma família amorosa que, com saudade espera o fruto de seu perdão. Não será humilhante voltar; Não é esse o caminho do sol?! O caminho do orgulho é sempre desconhecido; Em seu trajeto pode ter flores e a promessa de que não haverá altar, mas o seu fim é sempre dentro da noite, distante dos braços aquecidos pelo perdão. Volte ao lar filho! Volte!!! O anjo com seus amorosos conselhos conseguiu finalmente convencer Caim. Ele estava resolvido a percorrer o caminho do amor , desfazendo os passos até ali movidos pelo egoísmo. Aguardaria agora o sol para com ele seguir humildemente rumo ao altar que, não mais lhe falava de derrota, mas de triunfo sobre a morte. Na colina distante, permanecia a família rogando incessantemente por Caim. Em seu anseio, não conseguiam ficar longe daquele altar, berço de lágrimas e sangue. Ali junto a ele, Caim viera ao mundo, banhado pela luz do sacrifício; Ali fora instruído no caminho da salvação. Ali aguardariam com fé, até vê-lo retornar arrependido. Sob o sorriso do anjo, Caim vencido pelo cansaço de seus sonhos desfeitos, adormeceu a um passo do paraíso de muralhas invisíveis - muralhas que somente poderiam ser finalmente transportas pelo amor que sacrifica. Uma brisa suave despertou-o naquela manhã, convidando-o a seguir o sol naquela jornada rumo ao altar. Como dois companheiros avançariam sobre os espinhos, quebrando-os com os seus pés feridos; Como guerreiros caminhariam rumo à colina do entardecer, não para serem vencidos pela noite, mas para destruírem-na em sua fuga. Nessa marcha de resgate, tombariam finalmente sobre o altar distante, não vencidos pela morte, mas conquistando a vida nascida da luz. Com humildade, Caim deu os primeiros passos no caminho do arrependimento - caminho que logo após o altar, lhe descerraria o seu lar de amor. Eram passos movidos por fé, pois diante de si não podia ver a face de seu companheiro, o sol, mas tinha certeza de sua presença, pois nos ombros podia sentir seu calor a acariciá-lo num terno abraço. Eram companheiros de jornada pelo caminho da vitória. Era o sexto dia. Na colina, a família, ansiosa, encontrava-se reunida desde a manhã ao redor do altar, inconsciente da experiência de transformação vivida por Caim lá nas divisas do Éden. Com lágrimas rogavam a Deus pelo querido Caim, ansiando vê-lo retornar. Como era o dia da preparação, uniram-se no trabalho, deixando tudo em ordem para receberem o santo sábado: limaram os jardins, colheram alimento, prepararam as vestes e separaram o cordeiro para o sacrifício. Foi uma atividade muitas vezes interrompida por idas ao altar, onde estendiam demoradamente o olhar sobre o vale, na esperança verem surgir aquele a quem tanto amavam. Caim, embora cansado da longa jornada, continuava avançando com ligeiros passos, desejando alcançar o sopé da colina antes da noite. Podia divisá-la ainda distante, banhada pelo sol poente. O entardecer que até o dia anterior fora visto como a vitória das trevas sobre a luz, processava-se diante de seus olhos. Via agora o sol envolto por nuvens tintas de um vermelho vivo, tombar como um herói vitorioso, prestes a libertar um continente além, do poder da noite. A escuridão envolveu o vale, e nele Caim que, com os olhos fitos no último clarão a dissipar-se no horizonte, esforçava-se em prosseguir em seus passos. Na colina, o patriarca Adão, com o coração a palpitar de saudade, anseio e dor, preparava-se para oferecer o sacrifício. Intercederia como nunca nessa noite pelo seu filho, cuja ausência torturava sua alma. Eva, em passos lentos, cheia de tristeza, seguiu seu esposo rumo ao altar, acompanhada por Abel e suas duas filhas. Sofriam muito naquela noite, pela ausência de Caim. A esperança de revê-lo fora quase que totalmente banida. Num doloroso esforço Adão ergueu o cordeiro, deitando-o sobre o altar. Quão doloroso era sacrificar, mas não havia outro caminho Cabisbaixo em meio às trevas , Caim refletia. Todo o seu passado construído por ilusórios sonhos o via em cacos. Estava no limiar de uma nova vida, como uma criança recém nascida sob a luz do altar. Caim esforçava-se para identificar aquele dia especial, de sua conversão. A lembrança do último sacrifício o conscientizava de ser véspera de sábado. Havia saído de casa no quarto dia da semana, quando os seus passos conduziram-no para dentro de uma noite escura e fria, na qual temeu a morte. Refeito, ao amanhecer do quinto dia, prosseguiu rumo ao desconhecido, até deter-se amedrontado no vale dos ossos, onde a tarde transformou-se em noite. Foi dali que contemplou o brilho do anjo que o atraiu com o seu amor. Detido em meio às trevas, Caim recordava com emoção os conselhos do anjo que o levaram a uma mudança de rumo. Lembra-se de seus passos de fé que moveram-no durante todo aquele sexto dia rumo ao lar. Caminhar sob o brilho do sol fora fácil, mas o que fazer agora, quando as trevas o detinham nas selvas?! Caim, porém, alegrou-se ao saber que a escuridão daquela noite seria em breve ferida pela luz do sacrifício.Com anseio aguardava o momento de prosseguir sua jornada, orientado pelo fogo que lhe indicaria o rumo de seu lar. Movido pela dor da saudade e pelo último raio de esperança em abraçar o seu filho, Adão ergueu o cutelo para matar o cordeiro. De seus trêmulos lábios, escapa-se então uma aflitiva prece em favor de seu filho: - Senhor, hoje eu compreendo o quanto sofres com a rebeldia de teus filhos rebeldes, que trocaram o teu amor e o calor de uma família amorosa que vive no seio da luz, pelas trevas do vale, onde o desespero e a morte atraem com ilusões de vitória. Neste momento minha mão está erguida para ferir esta inocente ovelha que, com seu sangue precioso alimentará o fogo da esperança em abraçar o meu filho que se encontra perdido. Faça Senhor, com que o brilho desta chama possa alcançar o meu Caim onde ele se encontra, fazendo-o voltar ao lar arrependido. Todas os súditos do Eterno com emoção contemplavam a comovente cena de significado tão grandioso. Naquele pai tremente e aflito, pronto a sacrificar em favor do filho errante, viam o grande Pai que, para atrair Seus filhos humanos do vale da perdição, ofereceria o maior sacrifício. Após sua angustiante prece, Adão imolou o cordeiro. O fogo da esperança ergueu-se imediatamente em brilhante chama, expulsando as trevas que envolviam aquela colina. Caim que movido pela alegria de ser sábado erguera a fronte nas trevas na expectativa de contemplar o brilho da vitória, ergueu as mãos aos céus agradecido quando viu surgir no escurecido horizonte a estrela da aceitação. Cheio de ânimo prosseguiu em seus passos de fé. Embora lhe fosse impossível enxergar e compreender todos os obstáculos que surgiam em seu caminho fazendo-o tropeçar, mantinha o olhar fixo no brilho do cordeiro imolado, avançando sempre, com a certeza da vitória. Os passos de Caim conduziram-no finalmente para junto da colina, onde podia ver sua família reunida sob a luz do altar. Com o coração pulsando forte pelo cansaço e pela emoção, galgou em ligeiros passos a colina, detendo-se junto ao altar. Sua família, com os olhos cerrados orava por ele. Não conteve as lágrimas, ao ouvir seu pai clamar: -“Senhor! Meu Caim, meu Caim!!! Quando o envolverei em meus braços?! Quisera voltar ao passado, quando com prazer tomava-o no colo. Ele era a minha alegria, e esperava tê-lo sempre salvo junto a mim. Mas oh Senhor! Ele foi crescendo e se afastando, levado pelos seus sonhos de aventura. E hoje, já é o quarto dia sem o nosso Caim! Meu coração está partido pela sua ausência, e já não suporto viver sem ele! Se for possível Senhor, traga de volta o nosso Caim, e que ele seja feliz ao Teu lado. Amém Terminada a prece, Adão abriu os olhos para contemplar a chama do perdão que poderia, quem sabe, atrair seu filho daquele vale sombrio. Seu olhar pousou de cheio em Caim que jazia prostrado junto ao altar. Sem conter a alegria, Adão com um brado de vitória saltou para junto de seu filho, envolvendo-o em seus braços. Toda a família o acompanhou nesse gesto carinhoso, festejando com risos e lágrimas de emoção, o retorno daquele filho e irmão amado. Sob a luz do altar, todos assentaram-se finalmente, passando a ouvir com atenção a experiência passada por Caim naquela densa floresta. Ele contou do medo que sentiu naquela primeira noite fora de casa; falou do vale da morte, onde viu tantos ossos de animais devorados com ferocidade; contou da luz que surgira ao entardecer, fazendo-o apressar seus passos julgando ser o surgimento de um sol. Falou do brilhante anjo que o atraíra para as divisas do Éden, levando-o com seus conselhos e palavras de sabedoria e amor à uma mudança de rumo. Contou de seu retorno, das lutas e tentações que teve de enfrentar a cada passo. Concluiu contando da alegria que sentiu, ao ver naquela noite o surgimento do fogo sobre o altar, que semelhante a uma estrela, guiou os seus passos através daquele vale tomado pelas trevas. Para a família, consolada pelo retorno de Caim, surgiu finalmente o alvorecer da alegre vitória, trazendo em sua brisa o aroma dos verdejantes prados edênicos cobertos de eternas flores. Naquela manhã de sábado, uniram-se em cânticos de gratidão ao Criador, pela vida, pelo perdão, e pela certeza de que sua feliz união jamais seria maculada pelo pecado. Capitulo VIII Desde o momento em que Caim passara a trilhar pelo caminho da salvação, Satã e suas hostes cheios de ira passaram a fazer planos para reconquistá-lo. Decidiram lançar sobre ele densas trevas espirituais, causando angústia e desânimo em sua nova experiência. Estavam certos de que persistindo com essa pressão, alcançariam vitória. Conhecendo os planos de Satã, o Eterno ordenou Seus anjos a combaterem as trevas que circundariam o jovem Caim. Ainda que conhecesse o seu futuro de rebeldia, o Criador faria todo o possível para mantê-lo a salvo das garras do inimigo. Sobrea colina, naquele lar repleto de felicidade, Caim tornara-se após sua conversão no motivo principal dos louvores e comemorações. Como uma criança, humilde e submissa, Caim andava entre os seus tendo na face o brilho do amor e da esperança, que eram nutridos sob a luz do altar. Com lágrimas de gratidão distinguia agora em cada cordeirinho imolado o Redentor vindouro que pereceria em dor para oferecer-lhes a luz da eterna vitória. Com alegria, Caim testemunhava diante de sua família e diante do vasto Universo, da paz que agora inundava sua alma agora renascida; Jamais experimentara antes sensação de tanta liberdade, de tanto amor. Sobre sua mente refrigerada, contudo, começou a baixar as sombras da provação que se intensificaram até mergulharem-no em escura noite. Era assediado por tantas tentações que pareciam revigorar em seu coração os sonhos ilusórios de seu passado. Vozes pareciam gritar em seus ouvidos dizendo: - Deixe esse caminho que não leva a nenhuma vitória! Chega desses sacrifícios sangrentos que enaltecem a morte! Contemple os jardins que você plantou, e veja como eles comemoram a vida. Você é sábio e forte, e poderá construir um império de paz e prosperidade, colorido por extensos jardins que florescerão numa eterna primavera de sol. Sacudido por essa tempestade de tentações, Caim quase vacilando, deixou transparecer em seu semblante a agonia que lhe inundava a alma. Assim, sua aflição foi logo percebida põe sua família que, preocupada procurou saber dele as razões de sua angústia. Temendo expor para sua família o que lhe afligia, calou-se afirmando que era apenas um sentimento de pesar que logo passaria. Os pais ficaram aflitos, pois concluíram acertadamente, que era Satã quem estava pressionando-o com o objetivo de arrastá-lo novamente para a escravidão. Com lágrimas, aqueles pais clamaram ao Criador em favor daquele filho que, aflito, caminhava de um lado para o outro procurando encontrar alívio. Anjos poderosos empenhavam-se insistentemente naquele conflito que travava-se invisível aos olhos humanos. Ainda que severamente provado, Caim não chegaria ao ponto de ser forçado pelo inimigo a render-se ao pecado. Havia um exército ao seu lado para ampará-lo em seus passos de fidelidade. Todo o Universo estava atento para as decisões de Caim, que poderiam influir na experiência de incontáveis seres humanos que seguiriam os seus passos. Orientado pelo exemplo de seus pais, Caim buscou na oração o refúgio para sua alma torturada.Com fervor implorava ao Criador que firmasse os seus passos. Embora sentisse forte apelo para voltar ao caminho do orgulho e da aventura, estava decidido a continuar seus passos pelo trilho acidentado do amor e do sacrifício. Temendo não alcançar o seu objetivo sobre Caim, Satã ordenou seus guerreiros a suspenderem aqueles desesperados ataques. Disse-lhes que através de sutil engano, lograriam a vitória que dificilmente alcançariam pela força. Com isso, a paz voltou a reinar na mente de Caim que, unido à família, cantava louvores ao Eterno, o autor de sua salvação. Enquanto aquela família com alegria comemorava mais uma vitória alcançada na vida de Caim, as hostes das trevas estavam reunidas tramando novos planos de ataque. Muitas idéias foram apresentadas, mas prevaleceram aquelas elaboradas por Lúcifer, arquienganador. Ele afirmou confiante: - Se tão nos aproximarmos de Caim como amigos em sua jornada no caminho da salvação, inspirando pensamentos e sentimentos de fé no Redentor, não nos será difícil introduzir com sutileza as sementes da rebeldia que, germinarão uma a uma em seu coração confiante, fazendo-o menosprezar finalmente os sacrifícios de sangue sobre o altar, com o pensamento de não mais depender desse símbolo para ter em mente o Salvador vindouro. Quando iludido julgar haver alcançado o amadurecimento espiritual, estará novamente no abismo”. Naquela colina, que era centro das atenções de todo o Universo, sucediam para a pequena família dias de alegria, prosperidade e paz. Cresciam cada vez mais em sabedoria e graça, trilhando no caminho da salvação. Por detrás dessa paz, porém, inconsciente à família jubilosa, uma perigosa armadilha se armava. O Eterno e Seus exércitos, preocupavam-se com essa situação, pois sabiam que seus inimigos poderiam causar comesse disfarce, uma grande ruína à humanidade, na experiência da qual se processa a redenção do Universo. Os guerreiros da luz agora, não teriam de lutar contra as trevas, mas contra um falso brilho. Envolvido por influências aparentemente positivas, as quais julgava proceder todas do Criador, Caim tornava-se aos poucos confiante e bem seguro da vitória prometida. Seu amor pelo Eterno parecia tornar-se imenso, e vibrava ao prever a perfeita felicidade que alcançaria no alvorecer do dia eternal. Satã que atento o acompanhava em sua experiência religiosa, viu haver chegado o momento de atraí-lo com sua falsa luz, desviando-o do caminho da justiça. Orientou mais uma vez seus guerreiros a agirem com cautela e paciência, inspirando sutilmente pensamentos e sentimentos de aparente virtude que o levassem imperceptivelmente a negligenciar por fim o sacrifício de sangue sobre o altar, julgando haver alcançado em sua santificação um nível superior, no qual não se depende mais daquele doloroso rito. Em seu amor pelo saber, e apego a toda a revelação, Caim começou ter sua atenção voltada para o falso brilho que, inicialmente parecia tornar mais claro e seguro o caminho da redenção. Com ânimo apresentava para seus familiares que, admirados reuniam-se aos seus pés, os pensamentos de aparente sabedoria e graça, gerados pela sua nova experiência. Longe estavam de saber que aquelas idéias tão belas e cativantes, eram originadas por aquele que através da serpente conseguira seduzir Eva. Em suas palavras e louvores, Caim passou a exaltar o Salvador, bendizendo o Seu futuro sacrifício. Inspirando esses pensamentos, Satã ganhava a simpatia não somente de Caim, como também de toda aquela família. Todavia, Caim que aparentemente tornava-se num eloquente mestre e pregador da justiça e da verdade, iludido em sua falsa segurança, começou a menosprezar em seus ensinos o sacrifício do cordeiro sobre o altar. Argumentava que somente as ilustrações da natureza e as instruções verbais, eram suficientes para gravarem na mente humana as verdades da redenção. Apelando às emoções da família, dizia que o objetivo estabelecido pelo Criador por meio daqueles sacrifícios, já havia sido alcançado na vida deles; poderiam evitar agora essa dor, apresentando sobre o altar ofertas de flores e frutos, símbolos naturais da redenção. Um grande laço armara-se sobre aquela família, levando-a à uma grande luta íntima. De um lado estava o caminho da dor e do altar banhado em sangue, e do outro, a alegria de uma aparente vitória, comemorada por um altar coberto com flores e frutos. Caso aceitassem a proposta vinda através de Caim, cairiam sob o domínio do tentador. Com a família em prova, Satã insistia por meio de Caim, procurando levá-los a decidirem de seu lado, afirmando que o Eterno não Se importaria com essa mudança, que expressava amadurecimento e gratidão pelo Seu sacrifício, também simbolizado pelas flores e frutos. Todo o Universo estava em comoção, diante da decisão que aquela família estava preste a manifestar. O que estava em jogo, era o trono do Universo. Depois de renhida batalha espiritual, conscientes do engano que se escondia nas palavras de Caim, aqueles pais temendo serem arrastados para distante do Salvador, decidiram rejeitar aquela proposta. Influenciados por essa decisão em favor da verdade revelada pelo Eterno, Abel e sua irmã mais nova colocaram-se ao lado dos pais. Somente a irmã mais velha, que cultivava no íntimo grande admiração por Caim, permaneceu indecisa, favorecendo seu irmão mais velho nas discussões que tiveram lugar. Embora contassem com a queda de toda a família humana, as hostes inimigas da luz se alegraram em ter novamente Caim como escravo. Batalhariam agora pela conquista daquela jovem indecisa que, unida ao irmão, poderia se tornar mãe de uma geração pecadora, no seio da qual se fortificaria o reino das trevas. Ao tomarem consciência da posição rebelde de Caim, Adão e Eva, seguidos por seus dois filhos fiéis, passaram a rogar-lhe com amor, tentando convencê-lo do erro. Aquele filho, contudo, mantinha sua posição sem ser agressivo. Estava confiante de ter aprovação do Criador para suas idéias revolucionárias. Caim estava triste por não ter toda a família a seu lado, mas animou-se ante a manifestação de compreensão e apoio por parte de sua irmã. A afinidade de suas idéias levava-os a passar longas horas conversando sobre o futuro. Foi assim que nasceu entre eles a idéia da construção de um novo altar onde Caim, como sacerdote, pudesse por em prática um culto renovado, oferecendo em lugar de cordeiros, flores e frutos. Isso, evidentemente, significava a formação de um novo lar, pois Adão como sacerdote de um culto conservador, jamais permitiria que o altar de sua família fosse maculado por um culto diferente daquele estabelecido pelo Criador. O ideal foi crescendo no coração daquele jovem casal, trazendo sonhos de um lar repleto de crianças a brincar num paraíso banhado em sol. Caim, o senhor e mestre daquela nova família, a guiaria numa caminhada de vitória, iluminados pelo brilho de um fogo mais brilhante que o do cordeiro, que se ergueria de seu altar coberto de flores e frutos. Semelhante a Caim, Abel que se tornara também adulto, enamorou-se de sua irmã mais nova - aquela que desde a infância estivera ligada a ele por laços de íntima afeição. Juntos caminhavam pelos campos, apascentando o rebanho, enquanto consideravam com interesse os ensinos de amor escritos na natureza. Adão e Eva, bem como o Criador e suas hostes fiéis, encontravam consolo e esperança na experiência desses dois jovens que, jamais deixaram de refletir nos olhos a chama aquecida daquele altar que indicava-lhes o caminho sangrento da redenção. Caim, em seu anseio por constituir um lar, unindo-se àquela a quem amava, aproximou-se finalmente de seus pais, pedindo-a em casamento. Adão compreendeu-lhe o anseio, e pediu-lhe que aguardasse a resposta do Eterno. Apresentaria a Ele o seu pedido, e esperariam pela manifestação de Sua vontade. Adão, o bondoso pai que a cada dia intercedia junto ao altar pela sua família, e de uma maneira especial por aqueles filhos que se aventuravam em caminho de ilusões, apresentou com tristeza o pedido de Caim ao Senhor da luz. Aguardariam dEle a manifestação de Sua vontade sobre aquele passo tão importante no seio da humanidade. Caim e sua irmã amada, aguardavam agora ansiosamente pelo dia do sacrifício, quando poderiam com certeza ter um encontro com Aquele que tudo criou. Estavam convictos de que Ele não recusaria a concretização de seu sonho, e manifestaria apoio ao seu ideal de culto. O sol declinou-se ao fim daquele sexto dia, dando lugar às trevas de mais um sábado. Toda a família reuniu-se reverente junto ao altar, enquanto Adão preparava o cordeiro para o sacrifício. Viria o Criador em resposta ao anseio daquele jovem casal? Esta questão pesava sobre todos eles, e em especial sobre Caim e sua irmã companheira. O Eterno ouvira o pedido de Caim apresentado por meio de Adão, e estava pronto a manifestar-Se em resposta a esse anseio. Pesava sobre seu Ser, contudo, uma grande tristeza, pois não poderia abençoar aquele jovem casal com a plenitude de felicidade e paz que almejavam obterem naquela união. Unicamente um verdadeiro casamento poderia conferir-lhes essas virtudes. O Criador estabelecera o matrimônio como um santo legado, de significado eterno. A união do casal, sob a benção divina, deveria simbolizar a união espiritual entre Deus e os ser humano. O casamento, portanto, perderia o seu sentido prefigurativo, para aqueles que menosprezassem o símbolo dessa união, que encontrava, desde a queda do homem, o seu ápice no sacrifício do cordeiro. O Eterno determinara ensinar por meio da cerimônia do casamento, a verdade fundamental de que, unicamente mediante a morte do Messias, a seu tempo, Ele poderia casar-Se com a raça humana, numa eterna aliança de paz. Portanto, Sua benção somente poderia ser obtida por aqueles que Se submetessem ao ritual simbólico. O cordeiro atado sobre o altar, sentiu atravessar seu peito aquele cutelo de pedra que, depois de causar-lhe profunda dor mergulhou-o na escuridão da morte. Sobre o sangue que brotou de sua agonia, nasceu imediatamente uma luz que tornou-se intensa, até afugentar todas as trevas que cobriam aquela colina. Em meio ao brilho, a família reunida pode distinguir a presença gloriosa do Criador, que mansamente inclinou-se sobre eles, com o Seu sorriso amigo. A felicidade daquele encontro era imensa, pois já haviam passado muitos anos desde Sua última aparição, que ocorrera por ocasião do anúncio do nascimento de Abel. Para eles, portanto, aquele encontro era muito especial. Depois de saudar afetuosamente aquela família, o Eterno comunicou-lhes as novas que poderiam ser de alegria. Disse-lhes que ouvira o pedido de Caim, que Lhe fora apresentado por Adão, e viera com o propósito de orientá-los acerca dos passos que deveriam dar para concretização daquele sonho. Conscientizou-os primeiramente da responsabilidade que assumiriam diante de dEle e de todo o Universo, pois em sua espontânea união, trariam ao mundo filhos, os quais deveriam ser instruídos no caminho da salvação. Falou-lhes também das funções que desempenhariam em seu novo lar. Caim, semelhante a Adão, seria sacerdote e mestre; Deveriam, portanto, construir um altar, para sobre ele oferecer sacrifícios. Sua companheira, em semelhança de sua bondosa mãe, deveria ser submissa e sempre pronta a auxiliá-lo nas lides diárias. Com alegria, Caim e sua companheira ouviram de Deus essas palavras de orientação e aprovação ao casamento. Abel e sua companheira que aos pés do Criador ouviam atentos Suas palavras de aprovação ao casamento dos irmãos, entreolhavam-se movidos por um intenso desejo de formarem também um lar, onde seguindo o exemplo dos pais, poderiam desempenhar um ministério de amor. Lendo em seus olhos o desejo nascido no coração, o Eterno com um sorriso os envolveu com Seus braços, e disse-lhes que poderiam construir também o seu altar. Com lágrimas de emoção, Abel e sua irmã prostraram-se aos pés do Criador, agradecendo-Lhe por conferir-lhes tão sagrado dom. O Eterno passou a orientar aqueles jovens com respeito à cerimônia que os enlaçariam. Ordenou-lhes mais uma vez a construção do altar. Caim construiria o seu altar, e Abel o seu. Preparariam cada um uma oferta especial, para oferecer em sacrifício, na noite que antecederia ao próximo alvorecer do sábado. A aprovação e benção de Deus ao casamento, se manifestaria na presença do fogo que surgiria sobre o altar. Iluminados pelo brilho da presença divina, sua união seria selada diante de todo o Universo, sendo considerados a partir desse ato, uma só carne. Essa união, geradora de vida, consistiria num simbolismo perfeito da união do Eterno com o ser humano, em virtude do sacrifício do Salvador. Com essas orientações e ordens do Eterno, tornou-se claro para aqueles jovens pretendentes ao matrimônio, que a única oferta aceitável, que poderia trazer a benção da verdadeira união, seria o sacrifício de um cordeiro. Em meio ao júbilo daquela família, a luz de Deus dissipou- se finalmente, ocultando-O de seus olhos. Sob a luz do altar, permaneceram alegres a conversar sobre aquele futuro de felicidade que acenava-lhes agora tão próximo. O sol surgiu finalmente, trazendo em seus cálidos raios um alvorecer de brisa mansa a beijar-lhes a face com o aroma do Éden, trazendo-lhes à lembrança as emoções daquele primeiro sonho de Adão. Caminhando pelos campos férteis sombranceiros à colina, a pequena família, seguindo instruções do Eterno, passou a traçar as divisas de seus lares. Caim, sendo o primogênito, escolheu os campos floridos que estendiam-se à direita do lar de seus pais; Ali , muito em breve, ergueria o seu altar. Enquanto Caim e sua companheira permaneceram nos limites de seu futuro lar, traçando planos para seu futuro, Abel e sua irmã mais nova acompanharam os passos de seus pais até alcançarem aos campos que estendiam-se à esquerda do altar de Adão. Estavam contentes, pois em sua ocupação pastoril, encontrariam ali sempre verdejantes pastagens regadas por refrigerantes mananciais. Depois de definirem o lugar sagrado do altar, onde sob o calor da primeira chama viveriam a mais íntima união, Abel e sua companheira passearam felizes pelos seus campos onde pastavam os cordeiros; Ali adoraram o grande Deus que, para casar-se com a humanidade em eterna aliança de vida, Se faria cordeiro na pessoa do Messias, para verter Seu sangue em sacrifício remidor. O alvorecer do primeiro dia da semana despertou enfim aqueles noivos para uma semana que seria de muitas atividades: Deveriam construir os altares e preparar seus novos lares. Com ânimo iniciaram o trabalho, ajudados pelos pais. Depois de lavrarem e prepararem os lugares determinados, reuniram as pedras com as quais construíram cuidadosamente os altares. Prepararam em seguida suas moradas, plantando arbustos para servirem de muro protetor. Esses preparativos se estenderam até o quinto dia. Aguardavam agora o sexto dia, quando preparariam a oferta para o altar - oferta que em sua aceitação os uniriam em sagrado matrimônio. A luz do sexto dia finalmente raiou, trazendo um dia significativo para aquela família. Caim e Abel, juntamente com suas companheiras, haviam sido instruídos desde à infância sobre o caminho da obediência. Haviam também recebido orientações diretas do Eterno com respeito ao verdadeiro sacrifício. Agora, eram observados por todos os seres inteligentes do vasto Universo, naquele dia de prova. Se atentassem para o caminho doloroso do cordeiro, seriam unidos num casamento de significado solene; se rejeitassem seguí-lo, não alcançariam a aprovação, nem tão pouco a benção que desejavam receber. Abel e sua irmã mais nova, caminharam com alegria em direção ao rebanho, onde escolheram o mais bonito cordeiro, tomando-o como oferta ao Senhor. Enquanto isso, Caim e sua companheira, com determinação dirigiram-se aos pomares, colhendo ali os mais belos frutos e flores, para oferecerem sobre o altar. O Eterno e seus súditos entristeciam-se ante a atitude de Caim. A oferta que preparavam, consistia numa demonstração de rebeldia diante do plano da redenção. Rejeitando o sacrifício de sangue, estavam menosprezando o único caminho pelo qual o ser humano poderia retornar ao paraíso da eterna vida. O sol finalmente tombou no horizonte, trazendo em seu arrebol, como num último apelo ao jovem Caim, a lembrança de seus passos naquele anoitecer em que retornava ao lar. Teria ficado retido na selva naquela noite, não fosse a luz do cordeiro sacrificado. Essa lembrança mergulhou-o em profunda luta íntima. Seria aceita a sua oferta de flores e frutos?! Não seria melhor retroceder em seus passos, tomando um cordeiro para o altar?! Invisíveis aos olhos de Caim, legiões de anjos procuravam influenciá-lo em sua solene decisão. Em sua luta espiritual, chegou quase a abandonar seus planos, mas seu orgulho repelia repeliu finalmente essa opção: seria humilhante àquelas alturas, confessar diante de sua irmã e de sua família, a inconsistência de sua teologia. Enquanto contemplava no horizonte o último lampejo do arrebol, Caim rompendo com o apelo do Espírito divino, reafirmou-se em sua decisão: Ofereceria flores e frutos em lugar de um cordeiro, inaugurando uma nova modalidade de culto que, certamente, poderia ser aceita pelo Eterno. As trevas baixaram lentamente sobre aquela colina, até cobri-la em semelhança de um espesso manto. O momento era deveras importante , pois decisões de vida e morte estavam por manifestar-se . Oque estava em jogo no posicionamento humano, era o destino do Universo. Nos passos rebeldes de Caim e sua companheira, viam os seguidores do Eterno um grande perigo que poderia dificultar e por em perigo o triunfo do plano da redenção. Tomavam consciência naquela noite, de que Satã e suas hostes, procurariam conduzir a humanidade para formas errôneas de culto, baseadas em filosofias atraentes como aqueles frutos e flores colhidos por Caim, mas que em essência seria uma negação do único caminho da salvação, representado pela morte do cordeiro. Naquela noite, dois novos casais, movidos pelo mais profundo anseio, apresentavam-se diante do Criador com suas ofertas. A aceitação divina descerraria para eles um caminho de felicidade, em resposta aos seus mais acalentados sonhos. Sua união sob a luz do altar, traria para eles um vislumbre das glórias futuras - aquelas que serão desfrutadas pelos redimidos - a alegria de estarem para sempre unidos ao Redentor, o amante Esposo da alma humana. A não aprovação da oferta, traria amarga decepção, pois além de não receberem a benção do Criador, teriam consciência de estarem trilhando por um caminho de rebeldia, desligados do Autor da vida. Foi com um misto de alegria e tristeza, que Adão e Eva dirigiram-se ao altar naquela noite, depondo sobre o mesmo a ovelha para o sacrifício. Depois de tantos anos junto aos seus filhos, nos quais por palavras e exemplo, procuraram mostrar o caminho da salvação, colhiam agora respostas de obediência e desobediência. Estavam felizes por Abel, e tristes por Caim. O que mais poderiam fazer por aquele filho rebelde?! Numa última tentativa de fazê-lo reconhecer seu erro, Adão tomando nos braços sua oferta, tateou-se até avizinhar-se do altar de Caim. Ali, com lágrimas a banhar a face, implorou com seu filho a tomar aquela ovelha para o sacrifício. Se aceitasse os seus rogos, veria surgir o fogo da benção divina, caso contrário, permaneceria mergulhado nas trevas. Caim com arrogância, menosprezou a oferta de seu pai, afirmando que o seu altar jamais seria maculados pelo sangue de inocentes animais. Ferido pela rebeldia e ingratidão de seu filho, Adão retornou ao seu altar, onde juntamente com Eva, continuaram intercedendo pelo futuro de seus filhos. O momento da prova chegara. Todo o Universo estava atento. No coração de todos os filhos da Luz havia um misto de alegria e tristeza: alegria pela oferta de Abel, e tristeza pela confirmação de Caim no caminho da rebeldia. Semelhante a seu pai, Abel ergueu com mãos trêmulas o cordeiro que não opunha resistência. Desde a infância se apegara a esses inocentes e puros animais, vendo neles um símbolo do Salvador. Seu apego aos cordeirinhos, levara-o a tornar-se pastor. Ele estremecia ante a idéia de ter de sacrificar aquele animalzinho de estimação, mas sabia que não haver outro caminho para se aproximar do Eterno. Unicamente a sua morte poderia descerrar a chama da aceitação, da benção para o seu casamento. Presenciara desde à infância o doloroso ato do sacrifício, mas agora, quando suas mãos deveriam desferir o golpe, hesitava. Tomado por profunda angústia ante seu dever, curvou a fronte em inconsolável pranto. Caim, movido pelo anseio da união que seguiria à chama da vitória, ergueu as mãos sobre as flores e frutos, invisíveis sobre aquele altar mergulhado na escuridão. Seguro da aprovação divina, voltou os olhos para o céu, e contemplou o fulgor das estrelas. Alegrava-se por saber que em resposta à sua oferta, outra estrela surgiria para se unir àquelas com seu brilho. Adão com a mão erguida chorava em sua prece, lamentando a perdição de Caim. Por que rejeitara o cordeiro?! O que poderia mais ter feito, para fazê-lo compreender que o seu caminho era de pecado?! Certo de que esgotara todos os meios para ajudá-lo, Adão tombou a cabeça, após desferir o golpe mortal. A chama da aceitação imediatamente iluminou-lhe a face marcada pelo pranto. Consolado pelo brilho da chama que ardia sobre o altar de seu pai, Abel num esforço doloroso ergueu a mão portadora do cutelo da morte - aquele que em sua queda descerraria-lhes a benção imerecida, após causar a dor. Enquanto trêmulo e pálido permanecia ainda hesitante em suas trevas, Caim do outro lado da chama de perdão acesa no altar de seu pai, clamava pela luz divina. Confiante de estar agradando o Criador com sua oferta, orava: - Senhor, Criador e Rei Universal, Teu reino é de luz e alegria; Tu és como o sol que vitorioso percorre o céu, envolvendo toda a natureza com o seu manto de luz, fazendo-a despertar colorida, em pujante vida. A ti que com o Teu amor fazes brilhar o dia, unindo sob teus raios toda a vida, trago estas flores e frutos que são produtos dessa união. Aceita-os como símbolos de nossa vitória, e faça brilhar sobre nosso altar a chama da eterna benção”. Abel, movido por uma profunda dor, cravou finalmente no peito do cordeiro aquele instrumento de morte, fazendo-o adormecer para sempre. No impulso do golpe, prostrou-se ao solo onde agonizante demorou, refletindo no significado daquele sacrifício. Podia agora compreender a agonia que seu pai experimentava em todas aquelas noites de sacrifício. Caim que silente aguardava a resposta de sua prece, inquietou-se pela demora. Sua inquietação tornou-se finalmente desespero, ao ver surgir além a chama da benção descendo sobre o altar de seu irmão. Tomado então por emoções de tristeza e ira, bradou aos céus: - Senhor, Senhor, não me ouves?! Não me respondes?!Seus rogos, porém, não trouxeram nenhuma resposta além de um eco vazio, perdido naquela noite. Vencido pela vergonha da tragédia, Caim prostrou-se, revolvendo-se em inconsolável pranto. Satã exultou ao testemunhar o desespero de Caim que, com gemidos maldizia o Criador por não haver se manifestado sobre o altar. Festejava por ter conseguido através do engano levar Caim novamente a manifestar diante do Universo sua rebeldia. Estava contente também em ver que Caim não estava sozinho em sua queda, mas tinha sua irmã a seguir-lhe os passos. Agora, lutaria para mantê-los cativos sob o seu poder, tornando-os inimigos declarados do Eterno e de seus seguidores. O Criador, embora entristecido pela desobediência de Caim, alegrava-se em poder honrar diante do Universo aquele casal obediente que, no cordeiro imolado, via a promessa de um Redentor que no futuro nasceria para redenção de todos os pecadores que o aceitassem. Abel e sua companheira após consolarem-se da dor do rude golpe, banhados pelos raios aquecidos daquela chama, uniram-se em sublime ato de amor, esse que poderia gerar vida. Adão e Eva que penalizados já haviam previsto adura decepção de Caim e sua companheira, atraídos pelos seus gemidos, apalparam-se nas trevas, até avizinharem-se de seu altar sem vida. Ali, movidos por grande desejo de mudar-lhes a sorte, procuraram convencê-los a oferecerem um cordeiro; O tempo ainda lhes era oportuno e se quisessem, poderiam buscar nas pastagens o rebanho, tomando um cordeiro para o altar. Impulsionados pelo orgulho, Caim e sua irmã rejeitaram os conselhos dos pais que somente queriam a felicidade deles. Remoendo em lamúria sua amarga decepção, Caim permaneceu o restante da noite a revolver-se em insônia. Em seus sentimentos e pensamentos, sobrevinham agora as sombras do ódio e da vingança. Estava irado contra o Criador, por haver rejeitado sua oferta. Contemplando ao longe a chama da aprovação, sob a qual Abel e sua companheira viviam sua feliz união, Caim encheu-se de indizível inveja que explodiu dentro dele num furor sem limites. Lá estava o filho preferido - aquele a quem não tolerara desde a infância. Por que seria ele mais digno?! Por que poderia gozar maiores privilégios?! Inspirado pelo espírito maligno, quando o sol já estava quase raiando, Caim começou a maquinar um terrível crime. Disse para si: - Se eu não sou digno de viver sob a luz da benção divina, nem tão pouco o meu irmão será; Aguardarei o momento oportuno, para apagar de seus olhos todo o brilho da felicidade. O sol finalmente raiou revelando com sua luz a face transtornada de Caim. Que mudança! Não brilhavam os seus olhos de felicidade ao entardecer?!Todas as hostes da luz preocupavam-se com a situação infeliz de Caim. Sabiam que em sua decidida rebelião, Satã o afundaria cada vez mais em maior desespero. O Criador conhecendo os planos malignos de Caim, manifestou-se a ele no alvorecer, com o propósito de ajudá-lo a compreender sua necessidade. Invisível aos demais da família, o Eterno dirigiu-se a Caim e, estendendo sobre ele Sua mão amiga, perguntou-lhe: - Filho, por que você está tão irado?! Em resposta, Caim apontando para o altar coberto de flores e frutos, respondeu: - Estou magoado por não teres aceito essa oferta que ofereci com tanta fé. Com palavras cheias de compaixão, o Criador explicou-lhe novamente a necessidade humana da salvação, a qual somente poderia ser alcançada mediante o Seu sacrifício, que era simbolizado pela imolação do cordeiro. Disse-lhe que sua oferta de gratidão somente poderia ser aceita, após o sacrifício de sangue. Não conformado com as palavras do Eterno, Caim procurou justificar-se. Suas palavras, contudo, que revelavam a grande mágoa de um orgulho ferido, foram finalmente interrompidas pelos conselhos finais de Deus, que estendia-lhe uma única oportunidade, para romper com sua escravidão espiritual: - Somente há um caminho Caim , que é de sacrifício. Se você proceder conforme o seu irmão, será também aceito e abençoado com a chama da benção; Se, todavia, proceder mal, terá selado o seu destino das garras da morte. Após afirmar solenemente essas palavras, o Eterno despediu-se de seu filho, tornando-Se invisível. Capitulo IX As palavras do Eterno mergulharam Caim na mais terrível luta íntima. De um lado Satã e seus exércitos esforçavam-se em detê-lo em sua escravidão, do outro Deus e suas hostes, procuravam despertar naquele coração em luta, o reconhecimento do único caminho para a salvação. Caim, agitado em seus pensamentos e torturado pelo peso de responsabilidade que repousava sobre si, pois seus passos seriam seguidos por muitos outros, chegou, por vezes, a pensar em render-se, tomando para si um cordeiro. Mas esse pensamento, logo era banido, dando lugar a outro, de ódio e vingança. Em sua agonizante luta, quando o sol já caminhava para o poente anunciando outra escura noite, Caim vencido pelo orgulho tomou trágica decisão: Jamais aceitaria o plano da redenção simbolizado pelo cordeiro sobre o altar. Essa decisão, qual seta dolorosa rasgou o coração do Eterno e de suas hostes. fazendo-os prostrar em triste lamentação pela perdição daquele filho amado. Era terrível pensar que muitos no desenrolar o grande conflito pelo trono do Universo, haveriam de seguir os passos de Caim!. Cessada a batalha, Caim ergueu-se com um sorriso maldoso nos lábios. Não teria mais conflitos em sua consciência! Não seria mais perturbado pela idéia do sacrifício! Lutaria agora, e construiria com sua sabedoria e força, um paraíso de paz e prosperidade. Mais uma noite surgiu, trazendo com suas trevas a insônia de uma aventura louca, desumana e cruel, que agora era planejada por Caim. Com o coração dominado pelo mal, dizia para si naquela noite, que era a primeira da semana: - Assim que raiar o dia, visitarei o lar de Abel. Fingindo estar arrependido, pedirei dele um cordeiro para o meu altar. Pedirei que ele me acompanhe até o rebanho, que pernoita em pastagens distantes; Sei que ele de boa vontade me atenderá. Quando em nossos passos, nos encontrarmos distantes de seu lar, eu o farei compreender a dor sentida pelos cordeiros. Depois de matá-lo, o esconderei na floresta, longe do alcance dos olhos de sua companheira e de seus pais. Comemorarei então o seu fim, unindo-me à minha companheira, como ele o fez após a morte do cordeiro. Quando surgir o entardecer - esse que com seu arrebol não trará mais Abel para o seu lar-fugirei com minha irmã para o vale de onde regressei outrora, e de lá jamais voltarei à essa colina hostil, onde cordeiros perecem sem culpa. Caminharemos assim até alcançarmos o berço da luz, que estende-se nas campinas do Éden. Ali, longe dos rogos e conselhos desse meu intolerável pai, oferecerei ao Senhor da luz, cultos de flores e frutos : produtos que nascem sob seu brilho. O sol em sua marcha oculta, anunciou no horizonte distante os sinais do amanhecer, num clarão que, refletido por uma nuvem, tornava-a parecida a um manto banhado em sangue. Caim que trazia nos olhos as marcas da insônia, ocultou à sua companheira o motivo que não o deixara dormir. Sorriu simplesmente após ver surgir o sol, e saiu prometendo regressar assim que sacrificasse no campo um cordeiro. Achando estranha sua atitude, sua irmã perguntou-lhe o por que de não oferecer a oferta sobre o altar. Ele desculpou-se dizendo que manteria seu propósito jamais macular o seu altar com sangue de inocentes animais, mas cumpriria a vontade divina, sacrificando um cordeiro para alcançar a benção sobre o seu matrimônio, mas o faria distante, no campo. Após cumprir esse compromisso, retornaria para ela, e seriam a partir de então uma só carne. Abel alegrava-se naquela manhã ao lado de sua amada que, com um sorriso despertara como de um sonho, reclinada ao seu peito, onde pulsava um coração o qual não podia ela imaginar, enviaria naquele dia, num último esforço, a seiva da vida, para não mais retornar. Abel seria como um cordeiro sobre o altar. Depois de cingir-se com o instrumento da morte, Caim com passos movidos por uma decisão que não seria revogada, ladeou a casa de seus pais, aproximando-se do lar de Abel que, ainda aos pés do altar, permanecia com sua companheira, trocando juras de um amor eterno. O olhar de ternura de Abel, sob o brilho do alvorecer trouxe para aquela jovem uma lembrança que a comoveu. Acariciando sua face coberta pela barba macia qual lã, com os lábios trêmulos de emoção, sussurrou-lhe: - Querido, o seu olhar é para mim como o olhar de um cordeiro: me traz segurança, paz e esperança. Sou grata por poder contemplar esses olhos em que brilha o amor! Tudo o que eu quero, é que eles jamais se fechem para mim! Com emoção Abel beijou sua companheira depois de ouvir suas palavras de carinho, e respondeu-lhe com um sorriso: - Querida, somente a morte os poderá fechar; mas mesmo a morte não poderá serrá-los para sempre, serrá-los pra sempre, pois no alvorecer eternal, eles se abrirão para você com um brilho que jamais será desfeito por essa sombra! Abel dizia essas palavras, quando os passos de Caim se fizeram ouvir em aproximação. Ao ouvirem-no chamar por Abel, saíram-lhe ao encontro, e ficaram felizes ao vê-lo expressar sua decisão de sacrificar um cordeiro. Como não possuía rebanho, desejava adquirir um de seu irmão. Abel prontamente autorizou-o a tomar de seu rebanho, não somente uma ovelha, mas quantas precisasse, até que formasse o seu próprio rebanho. Caim, com um sorriso agradeceu-lhe a dádiva, mas acrescentou: -Meu caro irmão, não aprecio abusar de sua bondade, mas eu gostaria imensamente que você me acompanhasse até o rebanho, pois as ovelhas certamente fugirão de mim que não sou pastor. Abel consentiu de boa vontade em acompanhá-lo. Abraçou então sua companheira, prometendo logo regressar - promessa que em dor veria desfazer-se no seu corpo ferido e em seus olhos a escurecerem sangue, semelhante ao triste arrebol que não o traria de volta para os braços de sua amada. Abel alegrou-se ao saber que seu irmão tomara a decisão de sacrificar um cordeiro. Enquanto caminhavam rumo ao rebanho, conversavam sobre a experiência do casamento: benção alcançada mediante o sangrento sacrifício. Quando já estavam distantes de seus lares, avistaram o rebanho que pastava sob o sol matinal. Abel adiantou-se em seus passos fazendo soar sua voz de pastor. As ovelhas de uma só vez ergueram a cabeça, olhando na direção do bom pastor. Caminhando em direção ao rebanho, Abel pediu a seu irmão que o aguardasse naquele lugar enquanto tomaria um cordeiro gordo para o seu altar. Não ouvindo resposta de Caim, Abel olhou para traz, e surpreendeu-se ao ver que o semblante de Caim estava transtornado e seus olhos não expressavam gratidão, mas ira. Abel voltando-se para ele, perguntou-lhe o por que de sua infelicidade. Disse-lhe que Deus o amava, e visto que estava decidido a oferecer-Lhe um cordeiro, o seu casamento seria abençoado e desfrutariam paz na alma. Em resposta às palavras amorosas de Abel, Caim disse-lhe friamente: -Você é o cordeiro que eu quero sacrificar” Depois de fazer-lhe esta cruel declaração, Caim tirou do interior de sua veste uma faca de pedra e avançou sobre o seu irmão que, pálido rogava-lhe, desferindo-lhe um profundo golpe na face. O sangue imediatamente jorrou como de um cordeiro, fazendo Abel estremecer de medo. Teria já chegado o dia de depor a vida?! Enquanto com um gemido indagava, sentiu outro golpe que em sua violência o fez tombar ao solo. Em sua mente atordoada pela dor, num último esforço de sua consciência, lembra-se daquelas juras de amor trocadas no alvorecer. Em seu delírio de morte, parecia ouvir sua amada dizer-lhe com os lábios trêmulos pela emoção: - Querido, o seu olhar é como o olhar de um cordeiro…; Tudo o que eu espero, é que eles jamais se fechem para mim! Revive assim com esforço, seu último beijo acompanhado por sua promessa que a fez sorrir: - Somente a morte os poderá fechar; mas mesmo ela não os poderá serrar para sempre, pois no alvorecer do dia eternal eles se abrirão para você comum brilho que jamais será desfeito por essa sombra. Após lembrar este juramento de amor, Abel vencido por um golpe fatal, mergulhou na inconsciente treva, seguro de que em breve essa sombra seria banida de seus olhos, no dia da ressurreição. Caim somente cessou de golpear seu irmão, depois de certificar-se de que ele estava realmente sem vida. Arrastou-o então até a floresta, deixando-o ali coberto com folhagens de capim. Retornando para sua casa, Caim mostrou à sua companheira as marcas de sangue em suas mãos, e disse que atendera o pedido divino, sacrificando um cordeiro. Agora, estavam livres para se unir sob a benção do Senhor. Vencidos pela paixão carnal, uniram-se então sob o brilho daquele sol que já não brilhava para Abel. Quando o sol tingia o horizonte com seu arrebol, Caim lembrando-se de seu crime levantou-se sobressaltado, e disse para a sua companheira que em seu sacrifício, prometera ao Senhor da luz apresentar suas flores e frutos como uma oferta de gratidão pela benção alcançada. Essa oferta deveria ser oferecida nas divisas do Éden por ocasião do alvorecer. Precisavam, portanto, partir imediatamente. Sem questionar a vontade de seu marido, aquela jovem reuniu apressadamente suas vestes e a oferta de gratidão, e partiram para dentro da noite. Caim tinha pressa, pois sabia que a ausência de Abel naquela noite, traria a revelação de seu crime, o qual pretendia para sempre ocultar de sua esposa. Banhada pela luz do arrebol, aquela jovem esposa sorria, certa de que abraçaria o seu Abel antes da noite. Contemplando o sol em seu declinar sobre as campinas de onde esperava vê-lo regressar, com saudade lembrava do alvorecer que em sua luz revelara os olhos de seu esposo, compassivos como os de um cordeiro. Emocionou-se ao lembrar do pedido que num sussurro lhe fizera: - Tudo o que eu quero é que seus olhos jamais se fechem para mim. Lembra-se de sua resposta carinhosa: -Querida, somente a morte poderá fechá-los; mas mesmo essa não poderá cerrá-los para sempre, pois no alvorecer eternal eles se abrirão para você com um brilho que jamais será desfeito por essa sombra”. Com essa lembrança, a jovem esposa viu enfim o sol mergulhar em seu túmulo de morte e vida, envolvendo com seu último clarão a campina vazia e seu coração que a pulsar com saudade, permaneceria também vazio. Franzindo a testa com preocupação, aquela jovem indagava: - Por que não vem o meu amado?! Movida pelo anseio, correu até a casa de seus pais, onde imaginava o encontrar. Chamando-o, porém, não ouviu nenhuma resposta além do ruído dos passos de seus pais que, curiosos saíram-lhe ao encontro , indagando: - Filha, você está procurando por Abel? Ele ainda não chegou? -Não,- respondeu a filha, já com lágrimas nos olhos, - ele ainda não chegou! Embora preocupados, aqueles pais abraçaram a filha procurando consolá-la, dizendo que ele logo estaria em seus braços. Em sua preocupação velada, perguntaram então à filha: - Já faz tempo que ele saiu? -Logo após despertarmos, no alvorecer - respondeu. A esta resposta, seguiu um silêncio de inquietantes indagações, enquanto juntos tentavam divisar em vão seu vulto sob aquele prado banhado pelo último rastro de luz. Suspirando profundo, Adão já suspeitando um possível mal, indagou de sua filha: - Ele saiu sozinho? Soluçando ela respondeu: - Caim nos despertou pela manhã, pedindo um cordeiro, e Abel saiu com ele. Preocupado, Adão saiu silencioso e dirigiu-se à casa de Caim. Chamando ali por ele, não ouviu nenhuma resposta. Rompeu então através das folhagens para o interior daquela cabana, onde leu no triste vazio um presságio doloroso de traição ,confirmado numa veste manchada de sangue, apagando-se na penumbra. Vencido pela angústia, Adão caiu ao solo rompendo-se em pranto; Não querendo, contudo, revelar seu desespero à sua filha e esposa que precisavam de consolo para vencerem aquela triste noite, Adão num esforço imenso enxugou as lágrimas e firmou-se contra as emoções, ao ouvir os passos delas em aproximação. Do lado de fora, Eva e sua filha esperançosas de encontrarem ali Abel em visita a seu irmão, indagou: -Eles estão aí papai? A voz esperançosa de sua filha em meio àquela noite, foi qual seta a sangrar seu coração, e temia responder sua pergunta. Finalmente, caminhou na direção de sua filha, e vendo-a sofrer pela ausência de seu companheiro, procurou consolá-la dizendo: - Filha, confie no poder do Criador. Ele cuidará dele, e o trará no alvorecer! As palavras de consolo de Adão, contudo, longe de suavizarem o pranto daquela jovem, mergulhou-a em maior sofrimento, fazendo-a reviver em lembranças as promessas de Abel proferidas naquela manhã; Ele havia dito que se algum dia os seu solhos fossem apagados pela morte, eles se abririam para ela no alvorecer do sábado eterno. Caim e sua companheira em seus passos apressados de fuga, encontraram-se finalmente distantes da colina, mergulhados naquele vale de trevas que jamais entregaria de volta àquelas pais sofredores seus filhos rebeldes. Caim agora, ao lado de sua esposa, ufanava-se zombando das trevas, prometendo desfazê-la em breve com sua força. Vencidos pelo cansaço, tombaram ao solo, onde adormecidos ficaram até serem despertos pelo alvorecer. Refeitos da fadiga, continuaram a jornada pelo caminho da aventura, em passos que faziam Caim se lembrar daquela caminhada interrompida pela incoerência. Quão tolo havia sido, pensava, em dar ouvido a voz do anjo! Se houvesse continuado em sua missão, possivelmente já teriam um paraíso banhado por uma eterna luz. Entardecia quando o casal fugitivo alcançou o vale de ossos, lugar em que Caim outrora sentira grande medo. Ao passar por aquele lugar, Caim estremeceu. Temia agora não as trevas que lentamente baixavam sobre ovale, mas a luz. Percebendo o seu temor, sua companheira perguntou-lhe: - Você está temendo as trevas? - Estou temendo a luz, respondeu Cai: - Aquela que me fez caminhar rumo à morte. Não entendendo o que ele queria dizer, sua companheira insistiu para que ele esclarecesse o mistério.Com impaciência, Caim revelou que estavam nas divisas do Éden; lugar onde encontrou-se outrora com o anjo. Tendo dito isto, apontou para a esquerda acrescentando: - Sigamos nesta direção, pois não quero encontrá-lo novamente. Tomando-a pelo braço, caminharam rápidos, aproveitando a última luminosidade do arrebol. Quando enfim seus passos não podiam ser dados sem dificuldades por causa das trevas, contemplaram por entre as ramagens um brilho que, mais intenso que o do sol, permaneceu por um momento, desvanecendo-se. Imóvel ao lado de Caim, suas esposa, curiosa indagou: - Você viu? - Sim , respondeu Caim a tremer. - O que será? À essa indagação, Caim não respondeu, simplesmente tomou-a pela mão e disse: - Voltemos. Fujamos dessa luz que nos poderá matar. Sem compreender o mistério, a jovem esposa o seguiu em passos rápidos que, aqui e acolá, eram impedidos por tropeções que os lançavam ao chão. Nessa fuga, porém, não conseguiram esquivar-se do brilho que surgiu-lhes mais forte diante dos olhos. Enquanto espantados tentavam num último esforço fugir noutra direção, foram detidos por uma forte mão que, desvendando os seus olhos, revelou diante deles a face do Eterno, mais brilhante que o sol. Não sabendo como encará-Lo em Sua luz de justiça, Caim temendo ser castigado pelo seu crime, curvou a cabeça entre as mãos. O Criador indagou-lhe então com seriedade: - Onde está Abel o seu irmão?! Como insistisse nesta pergunta, Caim envergonhado por ter de confessar o seu terrível crime diante de sua companheira, de quem queria ocultar, respondeu simplesmente: - Não sei. Sou eu o guardador de meu irmão?!Indignado por esta resposta de desprezo e irresponsabilidade, o Eterno disse-lhe com firmeza: - Que fizeste Caim! A voz do sangue do seu irmão clama a mim desde a terra. Agora - continuou Deus -maldito será nesta terra que recebeu o sangue inocente de seu irmão. Com voz cheia de tristeza, o Eterno continuou: - Até este dia, o cobri de bênçãos, fazendo prosperar o seu labor na terra, dando-lhe prazer nesta realização; desde agora, já não poderei abençoá-lo, pois pela espontânea rebeldia você cerrou os canais desta benção. Por isso, caminhará sempre vagabundo sobre esta terra amaldiçoada por sua culpa, fugitivo da luz desta face que sempre sorriu-lhe perdão e salvação, até tombar vencido pela rebeldia dentro da eterna noite. Depois de revelar sua triste e irremediável situação, o Criador ergueu a voz e chorou amargamente. Duro Lhe era despedir para a morte aquele filho amado que, pela insistente rebeldia selara seu destino eterno. Caim todo trêmulo, tomado pelo medo e horror pela sua deplorável condição, com desespero clamou a Deus: - Volta Senhor, volta! Conceda-me somente uma benção! Movido pelo Seu infinito amor, o Eterno tornou-se para Caim que trêmulo Lhe falou de seu temor: - Tenho medo dos perigos da floresta, e daqueles que quererão no futuro procurar-me para vingar o sangue de meu irmão que derramei”. O Criador teve compaixão de Caim, prometendo-lhe proteção. Como sinal dessa promessa, acariciou-lhe a face, fazendo-lhe desaparecer a abundante barba. Depois deste gesto de pai amoroso que acaricia o filho mesmo na eterna partida, Caim viu desaparecer diante de seus olhos o brilho daquela face banhada pelas lágrimas, produzidas por sua ingratidão. A noite de desespero e pranto foi finalmente foi banida pelo brilho de um novo alvorecer que com sua luz revelaria uma tristeza ainda maior. Antes mesmo que o sol mostrasse sua face sobre o vale oriental, a jovem viúva juntamente com seus pais caminharam apressados pelos campos rumo às pastagens onde o rebanho pastava naqueles dias. Com o coração ainda a palpitar esperança, avistaram ao longe o rebanho. Chamaram ali por Abel, mas suas vozes não trouxeram nenhuma resposta além de um eco vazio. Seus olhos discerniram então através das lágrimas, as marcas da dor, naquele gramado amassado e coberto de sangue. Vencidos pela tristeza, seguiram dolorosamente as manchas de sangue, até encontrarem o seu corpo dilacerado, sob aquele capim coberto de moscas. Diante desta cena de terrível humilhação, ergueram as vozes em gritos de pavor, não suportando a dor da separação. Ali permaneceram em agonia, até verem o sol tombar em seu mais melancólico entardecer. Quão dolorosa lhes era o pensamento de terem de regressar para casa, deixando ali o amado Abel a desfazer-se em sua fria noite. Lembrando de sua infância, quando em seu leito o cobriam com amor, prometendo despertá-lo no alvorecer com um beijo, aqueles pais com um doloroso esforço o cobriram novamente com aquele capim, com a certeza de que no alvorecer do dia eterno o beijariam em seu em seu despertar feliz. Com dificuldade deixaram finalmente aquele lugar já tomado pela noite e apalparam-se na direção daquelas casas vazias, cujas paredes floridas já não traria para eles alegria. Vencida pelo horror da dura revelação, a esposa de Caim prostrara em desmaio, vindo a despertar pouco depois da partida do Eterno. Ali em meio às trevas, lembrou-se da terrível revelação de D-us, e ficou possuída por grande medo. Temia não somente as trevas, mas principalmente a Caim. Pensou em gritar por socorro; mas quem a salvaria?! Dominada por esses sentimentos, ficou atenta, esperando pelo amanhecer que revelou ao seu lado o corpo adormecido de alguém que não se parecia com Caim. Assustada, temendo despertá-lo, afastou-se alguns passos recostando-se num tronco de árvore, onde permaneceu até vê-lo levantar a face lisa , chamando por ela. Reconhecendo ser a voz de seu esposo, moveu-se em sua direção, mas logo deteve-se dominada pelo receio. Indagando em seu coração sobre o mistério de sua face agora lisa, disse-lhe: - Tenho medo de aproximar-me de você! Depois de expressar o seu temor, revelou outro maior: - Tenho também medo de fugir de você! Erguendo-se com um sorriso, Caim perguntou-lhe: - Por quê você me teme? - Porque temo a morte, respondeu aflita. - Eu também, até ontem era como você, tinha medo da morte, disse-lhe Caim. - Agora não a teme mais? Indagou-lhe sua esposa. - Não a temo, respondeu Caim, passando a mão no rosto liso. - Mas o que baniu-lhe o seu temor? Perguntou-lhe a jovem, temendo ainda aproximar-se. - Vê minha face agora lisa? Este é o sinal de uma promessa feita pelo Senhor. - Qual promessa? perguntou-lhe sua companheira, aproximando-se agora sem receio. Caim falou-lhe então da benção prometida e confirmada naquele sinal, da qual partilharia também ela, se o seguisse em seus passos. Não encontraria segurança e vida, contudo, ausentando-se dele. Consolada pela promessa de proteção garantida no rosto liso de seu esposo, aquela jovem o seguiu numa longa caminhada em contorno ao Éden. Planejavam transpô-lo, alcançando o vale oriental que estendia-se para além de seu impenetrável prado; Ali construiriam um altar estabelecendo o seu novo lar. Caim e sua companheira alcançaram finalmente em sua jornada um vale que, coberto por densa floresta estendia-se ao oriente do paraíso. Ali naquele ambiente de aparência hostil teriam temido não fosse a promessa assinalada na face de Caim. Almejando encontrar além um lugar melhor, construíram ali um altar provisório, onde no alvorecer do primeiro dia de uma nova semana, ofereceram ao Senhor revelado na face do Sol, flores e frutos - símbolos de fecundidade. Sob a luz do alvorecer uniram-se novamente naquele ato comemorativo da vitória que julgavam haver encontrado. Depois de unir-se à sua mulher, Caim ergueu-se ante o altar dedicando ao Senhor representado pelo sol, o seu lar. Pediu que os tornassem fecundos para darem a muitos filhos o direito de contemplar-lhe a face de brilho. Caim concluiu sua prece de consagração, com uma promessa confirmada por um sinal, dizendo: - Se atentares para a nossa súplica, trazendo em teu brilho fecundidade, construiremos por onde andarmos altares em honra a ti, onde o adoraremos com ofertas de gratidão. Como sinal de nossa fidelidade, consagraremos para o teu culto, este dia que nos unes sob tua luz, o qual chamaremos pelo teu nome: O DIA DO SOL.